Nota da autora



Muitos anos atrás, escrevi um artigo sobre suicídio para o qual entrevistei amigos e familiares de jovens mulheres que haviam se matado. Foi então que “conheci” Suzy Gonzales, embora não a tenha conhecido de fato, pois ela já estava morta havia alguns anos. À medida que ouvia amigos e parentes falarem sobre Suzy, muitas vezes eu me esquecia do tema do artigo em que estava trabalhando. O retrato que eles pintavam era de uma jovem de 19 anos inteligente, criativa, carismática e inconformista — o tipo de garota que eu poderia entrevistar por estar publicando seu romance de estreia, lançando seu primeiro álbum ou dirigindo um filme independente dos mais legais. Olhando de fora, ela não me parecia — e nem às pessoas que entrevistei — alguém que pudesse cometer suicídio.
Exceto por um detalhe: como todas as outras jovens cujo perfil tracei naquele artigo, Suzy sofria de depressão. Quando começou a ter pensamentos suicidas, foi ao centro de saúde da universidade em que estudava em busca de ajuda, mas acabou depositando sua confiança em um grupo de “apoio” a suicidas, no qual não só aplaudiram sua iniciativa de se matar, como lhe deram conselhos sobre como fazê-lo.
Nunca consegui parar de pensar em Suzy, no artigo que poderia ter escrito a respeito dela — no livro que ela poderia ter publicado, na banda da qual poderia ter sido a vocalista, no filme que poderia ter dirigido se ela tivesse obtido o tratamento adequado para a doença. Uma doença que lhe causara tanto sofrimento que a única maneira de aliviar a dor parecia ser dar fim à própria vida.
Mais de uma década depois, Suzy serviu de inspiração para uma personagem: Meg. E, a partir de Meg, veio Cody, a heroína de Eu estive aqui. Cody é uma jovem arrasada pela morte da melhor amiga. Em meio à angústia e à dor da perda, só lhe restam a tristeza, a raiva, o arrependimento e perguntas que nunca serão respondidas. Cody e Meg são fictícias, mas isso não me impede de fazer o seguinte questionamento: se Meg soubesse o que seu suicídio causaria à melhor amiga, à família, ela teria se matado assim mesmo? Também me pergunto se, mergulhada nas profundezas de sua depressão, Meg seria capaz de entender a extensão do impacto que causaria.
Infelizmente, nesse cenário, o Brasil tem um lugar de destaque. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é o oitavo país com maior índice de suicídio. De acordo com um estudo de 2014, cerca de 800 mil pessoas morrem vítimas da depressão. Além disso, uma pesquisa do núcleo de epidemiologia psiquiátrica da Universidade de São Paulo concluiu que 9,5% da população urbana brasileira já tiveram pensamentos suicidas e 3,1% atentaram contra a própria vida.
Segundo a Fundação Americana para a Prevenção do Suicídio, a esmagadora maioria das pessoas que cometem suicídio (90% ou mais) sofre de algum distúrbio mental no período que antecede a morte. Entre os suicidas, o mais comum é a depressão, embora o transtorno bipolar e a toxicomania também sejam fatores de risco. Muitas vezes, essas doenças permanecem não diagnosticadas e não tratadas até a morte.
Note que as estou chamando de doenças. Da mesma forma que a pneumonia é uma doença. Mas, no caso dos distúrbios mentais, o assunto é mais delicado, pois “é tudo coisa da sua cabeça”. Só que não. Pesquisadores já demonstraram existir relação entre um maior risco de suicídio e alterações em substâncias químicas do cérebro chamadas neurotransmissores, como a serotonina. Esse problema fisiológico causa reações mentais (e físicas) que podem fazer você se sentir terrivelmente mal e, como a pneumonia, pode levar à morte se não for tratado.
Felizmente, existem tratamentos; o mais comum é uma combinação de terapia e medicamentos reguladores do humor. Recusar tratamento para depressão ou transtorno de humor é como receber um diagnóstico de pneumonia e se recusar a tomar antibióticos. Fazer o que Meg e Suzy fizeram, por sua vez, seria como receber um diagnóstico de pneumonia, entrar na internet e buscar conselhos sobre como fumar um maço de cigarros por dia enquanto se corre debaixo de chuva. Você por acaso faria algo assim?
Nem todas as pessoas que sofrem de depressão cometerão suicídio. A grande maioria, não. E nem todo mundo que se pergunta em algum momento como seria morrer é necessariamente suicida. Acho que Richard tem razão quando diz: “Todo mundo já passou por isso.” Acredito que todos nós temos dias ou semanas tão ruins que às vezes fantasiamos sobre simplesmente não existir. Isso é diferente de ter a mente controlada por pensamentos suicidas, vê-los se transformarem em planos e, por fim, em tentativas concretas. Segundo a OMS, 90% dos suicídios podem ser evitados, e boa parte das pessoas dá indícios de que pensam em cometê-lo.
Como Cody e Richard, eu já passei por isso. Tive meus dias ruins. Mas nunca cogitei seriamente me suicidar. O que não quer dizer que minha vida nunca tenha sido afetada por essa questão. Muito tempo atrás, uma pessoa bastante próxima de mim tentou suicídio. Ele buscou ajuda e teve a oportunidade de levar uma vida longa e feliz. O suicídio é como um espelho de duas faces. No caso de Suzy e Meg, vejo o fantasma da vida que elas não puderam viver. No caso que mencionei, vejo o outro lado: a possibilidade de uma vida plena e feliz.
A vida pode ser difícil, bonita e caótica, mas, com um pouco de sorte, a sua será longa. Se for, você verá que é também imprevisível e que há momentos de escuridão. Mas eles passam, às vezes graças a muito apoio externo, e o túnel se alarga, permitindo que os raios de sol entrem. Se você estiver na escuridão, pode parecer que vai continuar nela para sempre. Tateando às cegas. Sozinho. Mas não vai — e não está sozinho. Há muitas pessoas dispostas a ajudá-lo a voltar à luz. Veja como encontrá-las:
Se você estiver sofrendo e precisando de ajuda, o primeiro passo é contar para alguém. Procure seus pais, irmãos mais velhos, tios, tias ou qualquer adulto de confiança: um pastor ou padre, o psicólogo de sua escola, um médico ou profissional da área de saúde, um amigo da família. Esse é o primeiro passo, e não o último. Abrir-se com alguém não é suficiente.
Depois que você contar seu problema a essa pessoa, ela poderá ajudá-lo a encontrar a ajuda e o apoio de que precisa.
Se não puder buscar a ajuda de um adulto ou se não souber o que fazer em seguida em relação a você mesmo ou a um ente querido, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (http://cvv.org.br/site/divida-com-a-gente.html), uma das ONGs mais antigas do Brasil.
Fundado em 1962 por um grupo de voluntários, foi reconhecido como uma organização de utilidade pública federal e é associado ao Befrienders Worldwide, entidade que congrega instituições de apoio emocional e prevenção do suicídio em todo o mundo.

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