Fita 3: Lado B


Quem de vocês se lembra do “Oh querido namorado?
Quem de nós não preferiria esquecer?
Era divertido, não era? Você preenchia um teste, um computador analisava suas respostas, cruzava os dados com outros testes. Por apenas um dólar, você obtinha o nome e o número telefone de sua única e verdadeira alma gêmea. Por cinco dólares, você tinha direito às cinco melhores. E o! ha! Toda a arrecadação ia para uma causa nobre. As animadoras de torcida.
As animadoras de torcida.
A cada manhã, anúncios bem empolgados vinham dos alto-falantes. Não esqueçam, faltam só quatro dias para a entrega dos testes! Só mais quatro dias de solidão, até seu verdadeiro amor ser revelado!
E, toda manhã, uma nova animadora de torcida, toda selerepe, continuava a contagem regressiva. Só mais três dias... só mais dois dias... só mais um dia... hoje é o grande dia!”
Quanto mais me afasto da casa de Tyler e Marcus, mais os músculos dos meus ombros relaxam.
Ai a equipe completa das animadoras de torcida cantava: Oh, querido, oh, querido, oh que-ri-do namorado!. Isso, obviamente, era seguido de vivas, gritinhos e saudações. Eu sempre imaginava essas garotas dando pontapés, fazendo espacates e jogando seus pompons pelos ares dentro da secretaria.
Eu passei pela secretaria uma vez, levando o recado de um professor, e era exatamente isso que elas estavam fazendo.
Eu preenchi todo meu teste. Sempre fui louca por testes. Se vocês alguma vez me pegarem lendo essas revistas adolescentes, juro que não era por causa das dicas de maquiagem. Era por causa dos testes.
Porque você nunca usou maquiagem, Hannah. Você não precisava.
Tudo bem que algumas dicas de cabelo e maquiagem eram úteis.
Você usava maquiagem?
Mas eu só pegava as revistas por causa dos testes. As dicas eram um bônus.
Vocês se lembram daqueles testes vocacionais que tivemos que preencher no primeiro ano? De acordo com o meu teste, eu daria uma lenhadora maravilhosa. E, se essa carreira não desse certo, eu poderia ficar com a de astronauta, como alternativa.
Lenhadora ou astronauta? Fala sério, valeu pela ajuda.
Não me lembro da minha carreira alternativa, mas também fiquei com a de lenhador. Tentei imaginar por que o teste teria enxergado esse caminho como melhor opção profissional. É verdade que eu marquei que eu gostava de ficar ao ar livre, mas quem não gosta? Não significa que curta derrubar árvores.
O teste do “Oh querido namorado” tinha duas partes. Primeiro você descrevia a si mesmo. Cor de cabelo. Cor dos olhos. Altura. Tipo de corpo. Estilo favorito de música e filme. Fazia uma marca ao lado de três coisas que mais gostava de fazer nos fins de semana. Opções engraçadas, porque quem elaborou a lista esqueceu de mencionar bebida e sexo – que teriam sido as primeiras respostas pra muita gente.
Havia cerca de vinte questões. E sei, baseada em quem apareceu na minha lista, que nem todo mundo respondia honestamente.
No meio da calçada, embaixo de um poste de iluminação, há um banco de metal verde-escuro. Algum tempo atrás talvez houvesse um ponto de ônibus. Mas, agora, é apenas um banco para relaxar. Para idosos, por exemplo, ou para qualquer um que esteja cansado demais para caminhar. Para mim.
Na segunda parte do teste, era a vez de descrever o que você procura numa alma gêmea. Altura. Tipo físico. Esportista ou não. Tímido ou extrovertido.
Sento no metal frio e me curvo pra frente, deixando a cabeça cair sobre as mãos. Estou a algumas quadras de casa, mas sem saber para aonde ir.
Enquanto preenchia meu teste, me flagrei descrevendo certa pessoa do nosso colégio.
Eu deveria responder meu teste a sério.
Algo para refletir: se todas as minhas respostas descreviam uma pessoa, essa pessoa poderia, pelo menos, ter aparecido entre os cinco melhores pretendentes. Mas tal pessoa deve ter permanecido imune às animadoras de torcida e toda a sua empolgação, por que não entrou na minha lista em lugar nenhum.
E, não, não vou contar para vocês o nome dele... ainda.
Para me divertir, preenchi meu teste como se eu fosse Holden Caulfield, de O apanhador no campo de centeio , que era leitura obrigatória daquele semestre e foi a primeira pessoa que me veio à cabeça. Holden. Que primeiro encontro horrível esse solitário depressivo daria.
Assim que os testes foram distribuídos, na aula de história, preenchi todas as minhas respostas rápido, de uma só vez.
Havia, sem dúvida, alguns nomes esquisitos na minha lista. Exatamente o tipo de gente que eu esperaria que se apaixonasse por Holden Caulfield.
Era um dia típico na aula de história do professor Patrick.
Decifrar uma serie de anotações rabiscadas na lousa, provavelmente cinco minutos antes de começar a aula, depois copiá-las no caderno. Se você terminasse antes do final da aula, tinha que ler da página oito à página 94 do livro... Sem cair no sono.
E sem conversar.
Como poderia saber que cada uma daquelas garotas iria me telefonar? Eu presumia que todo mundo na escola considerasse o teste uma brincadeira. Apenas uma maneira de arrecadar fundos para as animadoras de torcida.
Depois da aula fui direto para a secretaria do grêmio estudantil. Na ponta do balcão, perto da porta, ficava a urna - uma caixa de sapato grande, com uma fenda na tampa e decoração de corações recortados, em rosa e vermelho. Os corações vermelhos tinham um “Oh querido namorado” escrito neles, em letras garrafais. Os corações rosa tinham cifras verdes de dinheiro.
Dobrei meu teste ao meio, enfiei na caixa, me virei para sair.
Mas a srta. Benson, sorridente como sempre, estava para da bem na minha frente.
“Hannah Baker?, ela me chamou. Eu não sabia que você e a Courtney Crimsen eram amigas.” A expressão em meu rosto deve ter mostrado exatamente o que eu estava pensando, pois na hora ela recuou.
“Pelo menos foi o que eu imaginei... Era o que parecia. Quer dizer, vocês são amigas, não são?
Essa mulher é mais do que enxerida.
A primeira coisa que pensei foi no Tyler, parado do lado de fora da minha janela... e fiquei furiosa! Será que ele teria ousado exibir aquelas fotos de voyeur? Para a srta. Benson? Não. A srta. Benson me contou que entregara alguns cheques na sala de produção do álbum da escola, aquela manhã. Eles tinham colado nas paredes algumas amostras de fotos que poderiam aparecer no álbum. Uma das fotos era de Courtney junto comigo.
Vocês adivinharam. Aquela festa, com o meu braço em volta da cintura dela e uma cara de quem nunca tinha se divertido tanto.
Uma verdadeira atriz, Hannah.
Eu respondi:
“Não, somos apenas conhecidas.
“Bem, é uma foto bem divertida., disse a srta. Benson.
E me lembro exatamente das palavras que viram a seguir:
“O que há de maravilhoso nas fotos do álbum do ano é que todo mundo compartilha aquele momento com você... para sempre.
Soou como algo que ela já dissera um milhão de vezes. Antes, eu provavelmente teria concordado. Mas não era o caso daquela foto. Qualquer pessoa que olhasse para ela decididamente não compartilharia o momento. Não conseguiriam chegar nem perto de imaginar meus pensamentos naquela foto. Nem o de Courtney. Nem os de Tyler. Tudo nela era falso.
Naquele exato momento, dentro da secretaria, ao me conscientizar de que ninguém sabia a verdade a respeito da minha vida, meus pensamentos sobre o mundo ficaram abalados.
Como se estivesse dirigindo por uma estrada acidentada e perdendo o controle do volante, sendo jogada – só um pouquinho – para fora da pista. As rodas levantam poeira, mas você consegue puxar o carro de volta. Mesmo assim, não importa que você esteja segurando bem firme no volante, não importa o quanto esteja se esforçando para tentar guiar em linha reta, algo fica empurrando você para o lado. Você já não tem quase mais nenhum controle sobre nada. E, a certa altura, a luta se torna excessiva – cansativa demais – e você considera a possibilidade de largar tudo. Deixar uma tragédia acontecer... ou seja lá o que for.
Pressionando a ponta dos dedos contra a linha do cabelo, os polegares contra as têmporas, eu comprimo a cabeça.
Na foto, tenho certeza que a Courtney está com um sorriso lindo. Falso, mais lindo.
Ela não está. Mais você não teria como saber disso.
Veja bem, Courtney pensou que poderia me jogar para lá e para cá sempre que quisesse. Mas eu não deixei isso acontecer. Eu me esforcei para voltar à pista, a tempo de empurrá-la para fora... mesmo que só por um instante. Mas e agora? O teste. Para o dia dos namorados. Seria mais uma oportunidade de ser jogada para fora da estrada? Este teste seria, para os caras que encontrassem meu nome em suas listas, o pretexto de que precisavam para me convidar para sair?
E será que eles ficariam superexcitados com essa possibilidade, por causa dos boatos que tinham ouvido? Olhei para a fenda na tampa da caixa de sapato, fina demais para enfiar um dedo. Daria para abrir a caixa retirar meu teste.
Seria tão fácil. A srta. Benson perguntaria o motivo e eu poderia fingir que tinha vergonha de preencher um teste amoroso. Ela compreenderia.
Ou... eu poderia esperar para ver.
Se eu fosse esperto, teria sido honesto no meu teste. Teria descrito Hannah. Talvez nós tivéssemos conversado. Uma conversa séria, não piadinhas, como no verão passado, no cinema. Mas não fiz isso. Eu não pensava assim.
Será que a maioria dos alunos, conforme eu esperava, pegaria sua lista e apenas daria boas risadas, sem pensar nada sobre aquilo? Ou será que eles usariam a lista?
Se o nome e o telefone de Hannah estivessem na minha lista, será que eu teria ligado para ela? Eu me esparramo no banco frio, inclinado a cabeça para trás. Bem pra trás, como se a ponta minha coluna fosse estourar se continuasse fazendo tal movimento.
Pouquíssima coisa, eu disse a mim mesma, podia dar errado. O teste era uma brincadeira. Ninguém iria usá-lo contra ninguém. Calma, Hannah. Você não está armando nenhuma armadilha para si mesma.
Mas se eu estivesse certa – se tivesse levado a sério –, se estivesse disposta a dar a alguém um pretexto para conferir os boatos a meu respeito... bem... eu não sei. Talvez eu ignorasse. Talvez ficasse irritada. Ou, talvez, largasse tudo e desistisse.
Naquela hora, pela primeira vez, enxerguei a possibilidade de desistir. Até encontrei alguma esperança nisso.
Desde a festa de despedida da Kat eu não conseguia parar de pensar na Hannah. Na sua aparência. No seu jeito. Como nada disso combinava com o que eu ouvia! Na época eu tinha muito medo de tentar descobrir mais sobre ela. Muito medo de que ela risse se eu a convidasse para sair.
Muito medo.
Então quais eram as opções? Eu poderia sair da secretaria como uma pessoa péssima e levar meu teste comigo. Ou poderia sair como uma pessoa otimista, esperando o melhor.
No fim, sai da secretaria com meu teste ainda dentro da caixa, incerta do que eu era. Uma pessimista? Uma otimista? Nenhuma das alternativas. Uma idiota.
Fecho meus olhos e me concentro no ar gelado à minha volta.
Quando fui aquele cinema, no verão passado, pedir emprego, fingi surpresa ao ver Hannah trabalhando ali. Mas ela foi o único motivo pelo qual fui procurar algo por lá.
“Hoje é o grande dia!, disse a animadora de torcida... Toda animada, é claro. Peguem seu ‘queridos namorados’ na secretaria do grêmio agora mesmo!
No meu primeiro dia de trabalho me colocaram no balcão de petiscos com a Hannah. Ela me mostrou como se injetava manteiga na pipoca.
Ela me ensinou se uma menina de quem eu gostasse entrasse ali e pedisse uma pipoca, eu não deveria colocar manteiga na parte inferior do saco. Assim, no meio do filme, ela voltaria para pedir mais. E, aí, como não teria tanta gente em volta, poderíamos conversar.
Mas eu não segui seus conselhos, porque era Hannah que eu estava interessado. E a ideia de ela fazer isso com outros caras me deixou com ciúmes.
Eu ainda não tinha decidido se queria descobrir com quem eu combinava no teste. Com a sorte que eu tenho, seria um colega lenhador. Mas quando eu passei pela secretaria e não vi ninguém na fila, pensei... que se dane. Fui até o balcão e comecei a dizer meu nome, mas a animadora que estava no computador me cortou. “Obrigado por apoiar as animadoras de torcida, Hannah.. Ela inclinou a cabeça para lado e sorriu.
“Isso soa idiota, não soa? Mesmo assim, sou obrigada a dizer essa frase para todo mundo.
Foi provavelmente a mesma animadora que entregou os resultado meu teste.
Ela digitou o meu nome no computados, apertou enter e perguntou quantos nomes eu queria. Um ou cinco? Coloquei uma nota de cinco dólares em cima do balcão. Ela apertou o número cinco e a impressora do balcão cuspiu a lista.
Ela me contou que colocaram a impressora o nosso lado para as animadoras não se sentirem tentadas a espiar nossos pretendentes. Assim, as pessoas não ficariam envergonhadas com os nomes que haviam tirado. Falei que era boa ideia e comecei a dar uma geral na minha lista.
“Então, quis saber a animadora de torcida, quem você tirou?.
Sem dúvida, a mesma animadora que me atendeu.
Ela estava brincando, é claro.
Não. Não estava.
Meio brincando. Coloquei a minha lista em cima do balcão para ela ler.
“Nada mau, avaliou, Ah, eu gosto desse aqui.
Concordei que não era uma lista ruim. Mas também nenhuma maravilha.
Ela deu de ombros e disse que a minha lista era meio sem graça, sim. Aí me contou um segredinho. Não era um teste dos mais científicos.
Exceto para pessoa à procura de um solitário depressivo tipo Holden Caulfield. Para isso, o teste merecia um Prêmio Nobel.
Nós duas concordamos que dois nomes da lista combinavam razoavelmente bem comigo. Outro nome, que me agradou, provocou uma reação totalmente diferente nela.
“Não, ela disse. Sua expressão, sua postura perdera toda vivacidade.Confia em mim... não.” Será que ele está em uma de suas fitas, Hannah? Seria ele o tema desta fita? Porque não creio que esta fita seja sobre a animadora de torcida.
“Mas ele é bonitinho”, eu defendi.
“Só por fora”, ela falou.
Ela tirou um maço de notas de cinco da registradora, colocou a minha por cima, conferiu o maço inteiro, virando todas para o mesmo lado.
Não insisti no assunto, mas deveria. Mais duas fitas, e vocês saberão o porquê.
O que me faz lembrar que não lhes contei quem é o sujeito principal dessa fita. Felizmente, esse é o momento perfeito para apresentá-lo, pois foi exatamente aí que ele apareceu.
Mais uma vez, não sou eu.
Alguma coisa começou a zumbir. Um telefone? Olhei para a animadora de torcida, mas ela fez um movimento negativo com a cabeça. Por isso, joguei minha mochila em cima do balcão, procurei o celular e atendi.
“Hannah Baker, disse a pessoa do outro lado da linha. Que bom falar com você.
Olhei para a animadora e dei de ombros.
“Quem é?, perguntei.
“Adivinha como consegui seu número”, a voz continuou.
Falei que detestava joguinhos de adivinhação.
“Eu paguei por ele.
“Você pagou pelo meu número de telefone?
A animadora de torcida tapou a boca com a mão e apontou para o papel que acabara de ser impresso: os meus queridos namorados!
Nossa, pensei. Alguém estava mesmo me ligando porque meu nome tinha saído na lista dele? Era demais. Meio esquisito ao mesmo tempo.
A animadora apontou os nomes que nós duas consideramos boas combinações, mas fiz que não com a cabeça. Eu conhecia aquelas vozes bem o suficiente para saber que não era nenhuma delas. Também não era a voz do cara sobre o qual ela tinha me alertado.
Li os outros dois nomes da minha lista em voz alta.
“Parece que você está na minha lista, mas não estou na sua”, zombou.
Na verdade, você está. Só que uma lista diferente. Uma lista que você não vai gostar de estar, tenho certeza.
Perguntei em que lugar, na lista dele, meu nome aparecia. Normalmente ele pediu que eu adivinhasse, e logo acrescentou que estava brincando.
“Está preparada?, perguntou. “Você é a minha número um, Hannah.
Repeti as palavras dele só mexendo a boca “numero um!”, e a animadora começou a saltitar.
“Que legal”, ela cochichou.
O cara quis saber, então, o que eu ia fazer no dia dos namorados.
“Depende, eu joguei. Quem é você?
Mas ele não respondeu. Não precisava. Porque naquele momento eu o vi... encostado do lado de fora da janela da secretaria. Marcus Cooley.
Oi, Marcus.
Ranjo os dentes. Marcus. Eu deveria ter acertado a pedra nele quando tive a chance.
Marcus, como vocês sabem, é um dos maiores gozadores do colégio. Não um gozador qualquer; é dos bons.
Adivinha só.
Ele é realmente engraçado. Infinitas aulas muito chatas já foram salvas por uma piada muito boa de Cooley. Por isso eu não levei suas palavras a sério.
Embora estivéssemos parados a poucos metros de distância, separados por uma janela, continuei conversando pelo telefone. “Você está mentindo, eu não estou na sua lista”, duvidei.
Seu sorriso normalmente gozador pareceu um tanto sexy naquele momento.
“O que? Você acha que eu nunca falo sério?”, ele quis saber. Aí, colocou a lista dele na janela.
Embora eu estivesse longe demais para ler, presumi que ele mostrava o papel só pra provar que meu nome ocupava, de fato, o primeiro lugar. Ainda assim, pensei que estivesse brincando a respeito do encontro no dia dos namorados. Por isso, decidi fazer Marcus sofrer um pouco.
“Tudo bem, quando?, eu perguntei.
A animadora cobriu o rosto com as mãos, e, por entre os dedos, vi seu rosto ficar vermelho.
Não sei... se ela não estivesse ali, como plateia, me incentivando, duvido que teria concordado em sair com Marcus tão depressa. Mas eu estava só jogando e dando a ela algo para fofocar no treino das animadoras de torcida. Aí, foi a vez de Marcus ficar vermelho.
“Oh... hum... bom... bem... que tal o Rosie‘s? Podíamos tomar um sorvete.
E-5. Eu vi essa estrela no mapa quando estava no ônibus. Sabia mais ou menos onde ficava, mas não especificamente qual lanchonete era. Mas eu devia ter adivinhado. O melhor sorvete e os hambúrgueres e batatas fritas mais gordurosas da cidade. Rosie’s Diner.
Minha pergunta soou sarcástica. Sorvete?. Mas não era essa a intenção. Um encontro para tomar sorvete parecia tão... fofo. Por isso, topei me encontrar com ele no Rosie‘s, depois da aula. E, com isso, desligamos. A animadora batucou no balcão.
“Você tem que me deixar contar para todo mundo!
Fiz ela prometer que não falaria a ninguém até o dia seguinte, só para garanti.
“Tudo bem, ela concordou. Mas me fez prometer que descreveria todos os detalhes.
Alguns de vocês conheçam a animadora de quem estou falando, mas não vou dizer o nome dela. Ela foi muito bacana e ficou empolgada por mim. Ela não fez nada errado. Sinceramente. Sem sarcasmo. Não há nada nas entre linhas.
Eu tinha uma leve ideia de quem Hannah estava falando. Mas agora, lembrando o dia em que todo mundo ficou sabendo o que aconteceu com Hannah, tenho certeza que sei. Jenny Kurtz. Tínhamos aula de biologia juntos. Quando cheguei nessa aula, eu já sabia de tudo. Jenny recebeu a notícia naquele momento, com o bisturi na mão, uma minhoca cortada ao meio e pregada aberta, com alfinetes, à sua frente. Ela largou o instrumento em cima da mesa e ficou em silêncio, espantada, por muito tempo. Aí, se levantou e, sem pedir autorização ao professor, saiu da sala.
Procurei Jenny o resto do dia, intrigado com a reação dela.
Assim como a maioria das pessoas, eu não imaginava sua ligação com Hannah Baker.
Contei à animadora o que aconteceu no Rosie‘s? Não. Em vez disso, evitei a menina o máximo que pude.
E vocês estão prestes a saber, porque.
É claro que não consegui evitá-la para sempre. Razão pela qual ela fará, logo mais, outra aparição nessas fitas... sendo nomeada.
Já não tremo só por causa do frio. A cada lado das fitas, uma velha recordação é virada do avesso. Uma reputação é retorcida, transformando as pessoas em indivíduos que não reconheço. Senti vontade de chorar quando vi Jenny sair da aula de biologia. Toda vez que percebia uma reação dessas nela, no Sr.Porter, me transportava de volta ao momento em que tinha descoberto o que tinha acontecido com Hannah. O momento em que, de fato, eu chorei.
Quando, em vez disso, deviria ter ficado com raiva deles.
Portanto, se quiserem viver a experiência completa de Hannah, dirijam-se ao Rosie‘s.
Meu Deus. Eu odeio não saber mais no que acreditar. Eu odeio não saber o que é real.
E-5 no mapa. Sentem-se em um dos banquinhos do balcão. Em um minuto, vou dizer o que fazer depois disso. Mas, primeiro, um pouco de contexto histórico sobre mim e o Rosie‘s.
Eu nunca tinha ido lá. Sei que parece estranho. Todo mundo já foi ao Rosie‘s. É um lugar descolado e diferente. Mas, até onde eu sei, ninguém jamais foi lá sozinho. Todas as vezes que alguém me convidava eu estava meio ocupada. Parentes de outra cidade nos visitando. Lição de casa demais. Sempre tinha alguma coisa. Para mim, o Rosie‘s tinha certa aura. Um quê de mistério. Nas histórias que eu ouvia, parecia que sempre tinha algo acontecendo ali. Alex Standall, na sua primeira semana na cidade, teve sua primeira briga na frente da porta principal da lanchonete. Ele contou pra mim e pra Jéssica, na nossa fase Monet‘s.
Quando ouvi falar dessa briga, foi como conselho para não arrumar confusão com aquele cara novo. Alex sabia aplicar um belo soco e sabia apanhar muito bem.
Uma garota, cujo nome não vou repetir, teve sua primeira experiência de deixar alguém pôr a mão dentro do seu sutiã no Rosie‘s, dando uns amassos entre as maquinas de fliperama.
Courtney Crimsen. Todo mundo sabe disso. Não que a Courtney tenha tentado esconder.
Com todas essas histórias, parecia que a Rosie fingia que não ver nada do que se passava por lá, desde que os sorvetes estivessem nas casquinhas e os hambúrgueres estivessem sendo virados na chapa. É lógico que eu queria ir, mas não sozinha, para não ficar com cara de idiota.
Marcus Cooley me deu o pretexto que eu precisava. E simplesmente calhou eu estar livre.
Livre, mas não estúpida.
Eu sentia um pouco de receio de Marcus. Um pouco de desconfiança. Não tanto dele como das pessoas que ele andava. Pessoas com Alex Standall.
Depois de abandonar nosso grupinho “Um, dois, três, podem sair da toca!, lá do Monet‘s,Alex começou a andar com Marcus. E depois daquele truque com a lista “QUEM É GOSTOSA/QUEM NÃO É, deixei de confiar nele.
Então por que confiaria em alguém que anda com ele?
Você não deveria.
Por quê? Porque era exatamente isso o que eu queria pra mim.
Queria que as pessoas confiassem em mim, apesar de qualquer coisa que tivessem ouvido. E, mais do isso, queria que me conhecessem. Não aquilo que pensavam saber ao meu respeito. Mas eu de verdade. Queria que deixassem pra trás os boatos, que enxergassem além dos relacionamentos que eu tive, ou, talvez, ainda tivesse, mas com os quais não concordassem. Se eu quisesse que as pessoas me tratassem dessa maneira, tinha de fazer o mesmo com elas, certo?
Por isso, entrei no Rosie‘s e sentei no balcão. E, quando vocês forem lá, se forem, não façam o pedido imediatamente.
O telefone no meu bolso começou a vibrar.
Apenas fiquem sentados e esperem.
E esperem um pouquinho mais.
Era minha mãe.

▌▌

Atendo o telefone, mas até mesmo as palavras mais simples ficam presas na garganta e eu não consigo dizer nada.
–– Querido? –– A voz dela é suave. –– Está tudo bem?
Fecho os olhos para me concentrar, para falar com calma.
–– Tudo bem.
Mas será que ela me ouve?
–– Clay, querido, está ficando tarde –– ela fez uma pausa –– Onde você está?
–– Esqueci de telefonar, desculpe.
–– Tudo bem. –– Ela percebeu meu estado, mas não vai perguntar o que ouve. –– Você quer que eu vá te buscar?
Não posso ir para casa. Ainda não. Quase falo para ela que preciso ficar até terminar de ajudar o Tony com o trabalho da escola. Estou quase acabando essa fita e só tenho mais uma comigo. –– Mãe? Você pode me fazer um favor?
Nenhuma resposta.
–– Eu deixei umas fitas na bancada da garagem.
–– Do trabalho da escola?
Espera aí! E se ela escutar as fitas para saber o que são? E se for Hannah falando sobre mim?
––Deixa pra lá, mãe. Eu mesmo pego.
––Eu posso levá-las pra você
Não respondo. As palavras não ficaram presas na minha garganta; simplesmente não sei que palavra usar.
–– Eu estou mesmo de saída. Acabou o pão e estou fazendo sanduíches para amanhã. Solto o ar, com uma risadinha, e sorrio. Sempre que eu fico fora até tarde, ela faz um sanduíche para meu almoço na escola. Eu sempre protesto e falo que eu mesmo posso fazer quando chegar em casa. Mas ela gosta. Diz que a faz lembrar quando eu era mais novo e precisava dela.
–– É só me dizer onde você está –– ela insiste.
Curvado para frente, no banco de metal, digo a primeira coisa que me vem à cabeça. –– Estou no Rosie’s.
–– Na lanchonete? Estão conseguindo fazer o trabalho aí?
Ela aguarda uma resposta, mas não tenho nenhuma.
–– Não é barulhento?
A rua estava vazia. Nenhum carro. Nenhum ruído. Nenhuma agitação ao fundo. Ela sabe que eu não estou dizendo a verdade.
–– Quando você vai sair? –– preciso saber.
–– Assim que pegar as fitas.
–– Ótimo. –– Começo a andar. –– Até mais.


Escutem as conversas à sua volta. Será que as pessoas estão tentando imaginar por que você está sentado aí sozinho? Agora, dê uma olhadinha por cima do ombro. Alguma conversa cessou? Os olhares se desviaram para o outro lado?
Sinto muito se isso soa patético, mas vocês sabem que é verdade. Vocês nunca foram lá sozinhos, foram? Eu não.
É uma experiência totalmente diferente. E, no fundo, vocês sabem que nunca foram lá sozinhos por tudo que eu acabo de explicar. Mas se vocês forem, e não pedirem nada. Todo mundo vai pensar o mesmo que pensaram de mim, que estão esperando alguém.
Por isso, fiquem sentados. E, a cada dois ,três minutos, deem uma olhadinha no relógio da parede. Quanto mais você esperar –– essa é a verdade ––, mais devagar os ponteiros vão se mexer.
Hoje não. Quando eu chegar lá, meu coração estará acelerado, e continuará assim enquanto eu estiver observando os ponteiros girando, se aproximando cada vez mais do momento que a minha mãe entrará pela porta.
Começo a correr.
Depois que se passaram quinze minutos, vocês têm a minha permissão para pedir um milk-shake. Porque quinze minutos são dez minutos a mais do que demoraria, no máximo, até para a pessoa mais lenta ir a pé do colégio até ali.
Parece que certa pessoa... não vem mais.
Agora, se precisarem de uma sugestão, ninguém se decepcionará se pedir um milk-shake de banana com manteiga de amendoim.
Ai, continue esperando, todo o tempo que levar para terminar seu milk-shake. Se passarem trinta minutos, comece a cavar a taça com a colher para logo poder cair fora dali. Foi o que eu fiz.
Você é uma besta, Marcus. Deu um cano na Hannah quando nem precisava tê-la convidado para sair. Aquilo servia para arrecadar fundos para as animadoras de torcida. Não precisava levar a sério se não quisesse.
Trinta minutos é um bom tempão para esperar alguém com quem se marcou um encontro no dia dos namorados. Especialmente se você estiver no Rosie‘s sozinha. Também é tempo de sobra para tentar imaginar o que aconteceu. Será que ele esqueceu? Parecia sincero. Quer dizer, até a animadora de torcida achou que ele estava afim, certo?
Continuo correndo.
Calma, Hannah. Foi isso que fiquei me dizendo. Você não está armando uma armadilha para si mesma. Calma. Isso soa familiar para alguém aí? Não foi assim que me convenci a não retirar meu teste da caixa? Tudo bem, chega. Esses eram meus pensamentos depois de trinta minutos esperando que Marcus desse o ar da graça. O que provavelmente não me deixou num bom estado de espírito para enfrentar o momento em que ele finalmente apareceu.
Desacelero. Não porque eu esteja sem fôlego ou minhas pernas estejam moles. Não estou fisicamente cansado. Ao mesmo tempo, porém, estou exausto.
Se o Marcus não deu o cano nela, o que aconteceu?
Ele sentou no banco ao meu lado e pediu desculpas. Eu disse que quase tinha desistido e ido embora. Marcus olhou para minha taça de milk-shake vazia e pediu desculpas novamente. Mas, na cabeça dele, não se considerava atrasado. Ele nem tinha certeza que eu estaria ali.
E não vou condená-lo por isso. Parece que ele achou que estávamos brincando sobre o encontro. Mas, no meio do caminho para casa, ele parou, pensou melhor e foi ao Rosie‘s só para conferir.
É por isso que você está nessa fita, Marcus. Você deu meia volta só para conferir. Só para conferir se eu, Hannah Baker –– a srta., Reputação –– estava esperando por você.
E, infelizmente, eu estava. Naquele momento, eu achei que o encontro poderia ser divertido.
Naquele momento, eu fui uma burra.
Lá está o Rosie’s. Do outro lado da rua. Na outra ponta do estacionamento.
Veja bem, quando Marcus entrou no Rosie‘s, ele não estava sozinho. Não, Marcus entrou no Rosie‘s com um plano. Parte desse plano era nos levar para uma mesa nos fundos. Perto das maquinas de fliperama. Eu, prensada entre Marcus... e uma parede.
O estacionamento estava vazio. Apenas alguns carros estão parados na frente do Rosie’s, mas nenhum á o da minha mãe. Por isso, espero.
Se vocês quiserem, se estiverem no Rosie‘s agora, fiquem no balcão. É mais confortável. Acredite em mim.
Fico parado na beira da calçada, respirando fundo, soltando o ar com força. Um sinal de pedestre vermelho pisca, junto ao cruzamento, do outro lado da rua.
Não sei até que ponto o plano dele foi premeditado. Talvez ele tenha chegado só com a jogada final. Com o objetivo. E, como eu contei, Marcus é engraçado. Então, lá estávamos nós, sentados numa mesa, de costas para o resto da lanchonete, dando risada. A certa altura, Marcus me fez gargalhar tanto que minha barriga ficou doendo. Dobrei o corpo para a frente, tocando minha testa no ombro dele, implorando que ele parasse.
O sinal continuou piscando, insistindo para que eu tome uma decisão rápida. Mandando eu me apressar. Ainda tenho tempo para atravessar a rua correndo, pular do outro lado e cruzar o estacionamento voando, até aterrissar no Rosie’s.
Mas não faço isso.
E foi aí que a mão dele tocou meu joelho. Foi aí que eu descobri...
O sinal para de piscar. Aparece um ponto vermelho sólido, luminoso.
Dou meia-volta. Não posso entrar lá. Ainda não.
Parei de rir. Quase parei de respirar. Mas fiquei com a testa encostada no seu ombro, Marcus. Lá estava sua mão, no meu joelho. De repente do nada. Da mesma maneira que fui agarrada na loja de bebidas.
“O que você está fazendo?, sussurrei.
“Quer que eu tire?, você perguntou.
Eu não respondi.
Aperto as mãos contra o estômago. É demais. Demais para aguentar.
Irei ao Rosie’s. Em alguns minutos. Espero chegar antes da minha mãe.
Mas, primeiro, o cinema onde Hannah e eu trabalhamos durante o verão. Um lugar onde ela estava segura: o Crestmont.
E também não me afastei.
Era como se você e seu ombro não estivessem mais conectados. Seu ombro era apenas um suporte, onde eu apoiava a cabeça enquanto tentava entender a situação. Não consegui tirar os olhos dos seus dedos, acariciando meu joelho... e começando a subir.
“Porque você está fazendo isso?, perguntei.
Fica apenas uma quadra daqui e talvez não seja uma das estrelas vermelhas no mapa dela, mas deveria ser. É uma estrela vermelha pra mim.
O seu ombro se moveu e eu ergui a cabeça; agora seu braço, enlaçava minhas costas, me puxando para perto de você. E sua outra mão tocava minha perna. A parte superior da coxa.
Olhei por cima do encosto do sofazinho da mesa, para as outras mesas, para o balcão, tentando cruzar o olhar com alguém. Algumas pessoas olharam para nós, mas todos viraram.
Embaixo da mesa, meus dedos lutavam para tirar os seus de cima de mim. Para me soltar das suas mãos. Para empurrar você para longe. Eu não queria gritar –– não tinha chegado a esse ponto ainda ––, mas meus olhos imploravam por socorro.
Enfio as mãos nos bolsos, com punhos cerrados. Queria dar um soco numa parede ou numa vitrine. Nunca bati em nada, nem em ninguém, e só está noite já quis acertar Marcus com aquela pedra.
Mas todo mundo virou as costas. Ninguém perguntou se havia algum problema comigo.
Por quê? Estavam sendo educados?
Foi isso, Zach? Você estava apenas sendo educado?
Zach? De novo? Estava com o Justin na primeira fita, caindo no gramado da casa de Hannah. Depois, veio interromper minha conversa com Hannah na festa de despedida da Kat.
Odeio essa história. Não quero mais ficar sabendo como todo mundo se encaixa nela.
“Para com isso, eu exigi.
E sei que você me ouviu, porque, como, eu estava olhando para trás, por cima do encosto, minha boca estava a apenas centímetros do seu ouvido.
“Para com isso!
O Crestmont. Eu dobro a esquina e, a menos de meia quadra de distância, lá está ele. Um dos poucos marcos turísticos da cidade. O último cinema art déco do estado.
“Não se preocupe, você me acalmou. E talvez soubesse que tinha pouco tempo, porque sua mão foi rapidamente deslizando, subindo pela minha coxa. Subindo pelo meu corpo todo.
Por isso, empurrei seu quadril com força, jogando você no chão.  Quando alguém cai de um sofazinho desses, numa lanchonete, é meio engraçado. É só engraçado. Por isso, seria de esperar que as pessoas começassem a rir. A não ser, é claro, que soubessem que não se tratava de um acidente. Elas sabiam que tinha alguma coisa acontecendo naquela mesa, só não estavam a fim de ajudar.
Obrigada.
A marquise, contornando o prédio, se estende sobre a calçada. O letreiro todo enfeitado aponta para o céu, como uma pena de pavão elétrica. As letras se acendem piscando uma de cada vez, C-R-E-S-T-M-O-N-T, como se alguém estivesse fazendo palavras cruzadas com néon.
Enfim, você foi embora. Não saiu correndo. Me chamou de provocadora, alto o suficiente para todo mundo ouvir, e saiu.
Vamos, então, recuar um pouco no tempo. Até o momento em que eu estava sentada no balcão, me preparando para ir embora. O momento em que eu estava pensando que Marcus não ia aparecer, porque ele não deveria estar nem aí. E vou contar para vocês no que mais estava pensando naquele instante. Porque aqueles pensamentos ficam ainda mais claros depois dessa situação.
Caminho em direção ao Crestmont. Os outros estabelecimentos pelos quais vou passando fecham à noite. Um sólido muro de janelas escuras. Aí, então, surge um piso retangular recortado, com paredes e chão de mármore das mesmas cores do letreiro néon, apontando para o saguão. E, ali no meio, a bilheteria. Como um guinche de pedágio, com janelas dos três lados e uma porta traseira.
Era onde eu trabalhava a maioria das noites.
Quase o tempo todo, desde o meu primeiro dia no colégio, eu parecia a única pessoa a se importar comigo. Dedique todo o seu coração em busca do primeiro beijo... só para jogarem isso de volta na sua cara. Experimente ver as duas únicas pessoas em quem confia se virarem contra você. Experimente ver uma delas usar você para se vingar de outra e, depois, ser acusada de traição.
Estão entendendo agora? Ou será que estou indo depressa demais?
Pois bem, continuem me acompanhando!
Experimente deixar alguém tirar toda sensação de privacidade ou segurança que você talvez ainda possua. Aí, então, experimente ver alguém usar essa insegurança pra satisfazer sua própria curiosidade pervertida.
Ela faz uma pausa.
Desacelera um pouco.
Aí, então, perceba que você está fazendo tempestade em copo d‘água. Perceba como você se tornou mesquinha. Pode parecer que você não consegue se encaixar nessa cidade. Pode parecer que, toda vez que alguém lhe dá a mão para você se levantar, a pessoa larga e você escorrega mais para o fundo. Mas você tem que parar de ser pessimista, Hannah, e aprender a confiar nas pessoas à sua volta.
Então faço isso, Mais uma vez.
A última sessão da noite está sendo exibida, por isso a bilheteria está fazia. Fico parado sobre os desenhos do chão de mármore, cercado pelos cartazes das próximas atrações.
Essa foi minha chance, neste cinema, de conhecer Hannah.
Esta foi minha chance e eu a deixei escapar.
E aí... bem ...certos pensamentos começam a rondar a mente. Será que conseguirei, alguma vez, assumir o controle da minha vida? Será que sempre serei empurrada e maltratada pelas pessoas em que confio?
Odeio o que você fez, Hannah.
Será que a minha vida alguma vez tomará o rumo que eu quero?
Você não precisava ter feito isso. Odeio sua escolha, Hannah.
No dia seguinte, Marcus, eu tomei uma decisão. Decidi que ia descobrir como as pessoas reagiriam se uma de suas alunas nunca mais voltasse.
Como diz aquela canção de despedida: Adeus, amor, eu vou
partir....
Apoio as costas no cartaz protegido por uma moldura de plástico e fecho os olhos.
Estou escutando alguém desistir. Alguém que eu conhecia. Alguém que eu gostava.
Estou escutando. Mesmo assim, estou atrasado.


Meu coração dispara e não consigo ficar parado. Cruzo o saguão de mármore até a bilheteria. Uma plaquinha foi pendurada numa corrente, agarrada ao vidro por um ventosa pequeninha: “FECHADO!”. Daqui de fora não parece tão apertado. Mas, ali dentro, a gente se sente num aquário.
Eu só interagia com alguma pessoa quando passavam dinheiro para o meu lado do vidro e eu devolvia os ingressos. Ou quando um colega de trabalho entrava pela porta traseira.
Fora isso, se eu não estivesse vendendo ingressos, eu estava lendo. Ou olhando fixamente através do aquário, para dentro do salão, observando Hannah. Algumas noites eram piores que as outras. Algumas noites eu a observava para me certificar de que ela estava colocando manteiga na pipoca toda, de cima a baixo. Algo que hoje parece besteira, além de um comportamento obsessivo, mas era o que eu fazia.
Como naquela noite em que Bryce Walker apareceu. Ele chegou com sua namorada da semana e queria que eu cobrasse dela o ingresso reservado para menores de doze anos.
–– Ela não vai assistir o filme mesmo –– ele justificou –– Sabe o que eu quero dizer, não sabe Clay? –– Aí riu.
Eu não a conhecia. Devia ser de outro colégio. Uma coisa ficou clara: ela não achou engraçado. Colocou a carteira em cima do balcão.
–– Eu pago meu ingresso.
Bryce empurrou a carteira dela para o lado e pagou o valor da entrada completa.
–– Relaxa, vai. Era brincadeira.
Mais ou menos na metade do filme, enquanto eu vendia ingressos para a próxima sessão, a garota saiu voando do cinema, apertando o pulso, como se tivesse machucado.
Talvez estivesse chorando. E não vi Bryce em lugar nenhum. Continuei de olho no saguão, esperando que ele aparecesse. Mas isso não aconteceu. Ele terminou de assistir o filme pelo qual pagara.
Quando a sessão acabou, ele encostou no balcão, falando um monte no ouvido da Hannah, enquanto o resto do público ia embora. E permaneceu ali enquanto o pessoal para a sessão seguinte chegava. Hannah enchia os copos com as bebidas pedidas, entregava balas, devolvia o troco e ria do Bryce. Ria de tudo que ele dizia.
O tempo todo eu queria virar a placa com os dizeres
“FECHADO!” para a frente. Queria marchar para dentro do saguão e ordenar a Bryce que fosse embora. O filme tinha acabado, ele não precisava mais ficar lá.
Mas isso cabia a Hannah. Ela deveria ter pedido para ele. Melhor, deveria ter desejado que ele caísse fora.
Depois de finalmente vender o ultimo ingresso e virar a placa para a frente, saí pela porta da bilheteria, tranquei-a e fui para o saguão. Para ajudar Hannah na limpeza. Para perguntar sobre Bryce.
–– Por que acha que aquela garota saiu correndo daquele jeito? –– perguntei.
Hannah parou de passar no balcão e olhou dentro dos meus olhos.
–– Eu sei quem ele é, Clay. Sei como ele é. Acredite.
–– Eu sei –– respondi. Baixei os olhos e toquei uma mancha no carpete com a ponta do tênis. –– Por isso fiquei pensando porque você continuou a conversar com ele.
Ela não falou nada. Não imediatamente.
Eu não conseguia encará-la. Não queria ver uma expressão de decepção ou frustração em seus olhos. Não queria ver esse tipo de emoção dirigida a mim.
Passou-se um tempo, e ela disse as palavras que ficaram na minha cabeça pelo resto da noite.
–– Você não precisa cuidar de mim, Clay.
Mas eu precisava, sim, Hannah. E queria. Eu poderia ter ajudado. Mas quando entrei, você me empurrou para longe.

Quase posso ouvir a voz de Hannah falando o que eu estou pensando: “Então, por que você não tentou com mais insistência?”.

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