Fita 3: Lado A

Courtney Crimsen. Que nome lindo. E também é, sim, uma garota um tanto bonita. Cabelo bonito. Sorriso bonito. Pele perfeita.

E você também é muito legal. Todo mundo diz isso.
Fixo o olhar na foto do livro de rascunhos. O braço da Hannah em volta da cintura da Courtney, em alguma festa por aí. Hannah a feliz. Courtney está nervosa. Mas não imagino por quê.
Sim, Courtney, você é simpática com todo mundo que encontra no corredor. Você é simpática com todo mundo que acompanha você ao carro depois da aula.
Vou bebericando o café, que está esfriando.
Você é, sem dúvida, uma das garotas mais populares da escola. É assim... tão legal. Certo?
Errado. Viro o café, para esvaziar a caneca.
Sim, meus queridos ouvintes, Courtney é legal com quem ela faz contato, com quem conversa. E podem se perguntar: Será teatro?
Carrego a caneca até o balcão self-service para enche-la.
Eu acho que sim. Agora, deixem eu contar o porquê.
Se vocês viram aquelas fotos, sorte de vocês. Tenho certeza que são muito sexys. Mas como vocês sabem agora, não passaram de pose. Pose. Que palavra interessante para resumir a história da Courtney. Porque, quando você faz pose, sabe que tem alguém observando. Você põe no rosto o melhor sorriso. Você faz brilhar o lado mais bacana da sua personalidade.
Diferente da foto de Courtney no livro de rascunhos?
Colégio. O pessoal está sempre observando, portanto, há sempre motivo para posar.
Aperto um botão da máquina e um jato de café preto jorra dentro da caneca.
Acho que você faz isso de propósito, Courtney. É por isso que está nestas fitas. Para você ficar sabendo que o que faz afeta os outros. Especificamente, afetou a mim.
Crimsen. O nome soa perfeito demais. E, como eu disse, uma aparência perfeita. A única coisa que falta... é ser perfeita.
Com o café, o creme de leite e os cubos de açúcar, volto à mesa.
Mas, em vez disso, seguiu a linha simpática para que todo mundo gostasse de você e nenhuma alma a odiasse. Vou ser bem clara. Eu não odeio você, Courtney. Na verdade, simpatizo com você. Mas, durante algum tempo, achei que estávamos nos tornando amigas.
Não me lembro disso. Acho que nunca vi as duas juntas.
No fim das contas, você estava só me preparando para ser mais um nome na "lista de pessoas que acham Courtney Crimsen uma garota totalmente legal". Mais um voto garantido na eleição de aluna mais popular no álbum da escola do último ano.
E, depois que você fez isso comigo, observei você fazer o mesmo com outras pessoas.
Aqui, Courtney, está sua contribuição para a antologia da minha vida.
Gostaram dessa? Antologia da minha vida?
Acabei de inventar.
Puxo a mochila para o colo e abro o zíper do bolso maior.
O dia seguinte ao que Tyler tirou fotos espontâneas nossas, o dia estudantil começou como qualquer outro. O sinal da primeira aula tocou e a Courtney, como sempre, entrou correndo uns dois segundos atrasada. Não que isso importasse, porque a sra. Dillard também nem tinha chegado ainda.
O que também não era nada anormal.
Tiro o mapa da Hannah da mochila e desdobro o papel.
Quando você terminou de papear com a pessoa à sua frente, dei um tapinha no seu ombro. No momento em que você me viu começamos a rir. Disparamos uma série de frases rápidas – “coisa estranha”, “absurdo, hein?”, “Eu sei”, “dá pra imaginar?”, “coisa mais engraçada”.
A sra. Dillard finalmente entrou na sala, você virou para frente.
Quando terminou a aula, você foi embora.
No mapa, a estrela vermelha da casa do Tyler. Uma parte de mim se sente estranha de seguir a história de Hannah. Como se eu estivesse obcecado. Obcecado demais. Outra parte, porém, quer negar essa obsessão.
Só quando entrei no corredor, a caminho da segunda aula, que pensei: espera um pouco. Ela não se despediu.
Só estou fazendo o que ela pediu. Isso não é obsessão. É respeito.
Estou realizando os últimos pedidos dela.
Já tinha se despedido algum outro dia? Não, não com frequência, mas na noite anterior, deu a impressão de ter sido de propósito. E que, depois daquilo que havíamos passado, seríamos mais do que simples conhecidas. Evidentemente, era o que havíamos nos tornado de novo. No corredor, às vezes, você se despedia de mim no final da aula, mas de um jeito diferente. Até a noite da festa. Em que você precisou novamente de mim.

▌▌

Preciso de algum tempo para alcançar o lugar em que se passa a história. Não posso mais escuta-la enquanto não fizer isso. Retiro os fones de ouvido e os penduro em volta do pescoço. A garota com quem eu fiz marcenaria circula com uma bacia plástica, recolhendo canecas e pratos de mesas vazias. Depois que ela vai embora fico bebericando meu café, fazendo o maior esforço para não pensar em nada. Fico só esperando.
Quinze minutos mais tarde, um ônibus passa na frente do Monet's e acaba com minha espera. Agarro o mapa, jogo a mochila por cima do ombro e saio correndo pela porta.
O ônibus está parado na outra esquina. Entro em disparada e encontro um assento vazio. O motorista olha para mim pelo retrovisor.
— Estou adiantado — ele avisa. — Ficaremos parados aqui mais dois minutos. Faço um movimento com a cabeça, ajeito os fones nos ouvidos e olho para fora.


 Digo a vocês que tem uma festa muito maior, muito mais importante mais adiante nestas fitas.
Será esta? Aquela em que eu apareço?
Mas esta aqui é a festa que introduz Courtney na nossa história.
Eu estava no colégio, de mochila no ombro, saindo da primeira aula quando você agarrou minha mão.
"Hannah, espera aí", você disse. "Está tudo bem?" Seu sorriso, seus dentes... impecáveis.
Eu provavelmente disse "Tudo ótimo" ou "Tudo bem."
Às vezes, ficava me perguntando quanta gente, só naquele mesmo dia, você tinha chamado para conversar, perguntando se tinha ouvido falar daquela noite.
Eu disse que sim.
"Podíamos ir juntas", você propôs.
Você inclinou a cabeça. Botou seu sorriso para brilhar.
"Por que?" Perguntei. "Por que deveríamos ir a uma festa juntas?"
Isso obviamente pegou você de surpresa. Quer dizer, você sendo quem é, todo mundo querendo ir a uma festa com você... Ou querendo, pelo menos, ser visto entrando numa festa com você... Todo mundo! Garotos. Garotas. Esse é o tipo de admiração que as pessoas cultivam por você.
Cultivam? Ou cultivavam? Tenho a impressão de que isso está para mudar.
A maioria, infelizmente, não percebe como você planeja sua imagem com tanto cuidado.
Você repetiu a pergunta: "Por que deveríamos ir a uma festa juntas? Hannah, para podermos ir juntas, fazer alguma coisa juntas." Por que você queria fazer alguma coisa comigo, depois de ter me ignorado durante tanto tempo? Mas é claro que você negou ter me ignorado. Você disse que eu devia ter interpretado mal as coisas. Era uma boa oportunidade para nos conhecermos melhor, mesmo que eu continuasse desconfiada, você sendo quem é, todo mundo querendo ir a uma festa com você. Eu aceitei.
Você vibrou. "Sabe dirigir?"
Meu coração murchou um pouco.
Eu o reanimei e ignorei minhas suspeitas, mais uma vez.
"Claro, Courtney", eu respondi. "A que horas passo na sua casa?"
Você abriu seu caderno e rasgou um pedacinho de papel. Em letrinhas azuis bem miúdas, escreveu seu endereço, o horário e suas iniciais: C.C. Você me entregou o papel e completou: "Vai ser demais!". Juntou suas coisas e foi embora.
A porta do ônibus desliza até fechar, e ele parte.
Adivinha só, Courtney? Ao ir embora, você esqueceu de se despedir. Portanto, aqui vai minha teoria a respeito do motivo pelo qual você quis ir a uma festa comigo: você sabia que eu estava chateada por ter sido ignorada. No mínimo, sabia que eu estava magoada. E isso não era bom para sua reputação impecável. Isso precisava ser consertado.
D-4 no mapa de vocês, pessoal. A casa da Courtney.
Reabro o mapa.
Quando estacionei junto à guia, a porta da frente da sua casa se abriu no mesmo segundo. Você saiu correndo, aos pulos. Sua mãe, antes de fechar a porta, deu uma boa olhada dentro do meu carro.
Não se preocupe, sra. Crimsen, pensei. Não tem nenhum garoto aqui. Nenhuma bebida alcoólica. Nenhuma droga. Nenhuma diversão.
Por que me sinto tão obrigado a seguir o mapa de Hannah?
Não preciso fazer isso. Estou escutando as fitas, cada uma delas, dos dois lados, isso deveria ser suficiente. Mas não é.
Você abriu a porta do passageiro, sentou e prendeu o cinto de segurança.
"Obrigada pela carona", agradeceu.
Não estou seguindo o mapa porque ela quer que eu faça isso.
Estou seguindo porque preciso compreender. Seja lá o que for necessário para isso, quero entender verdadeiramente o que aconteceu com ela.
"Obrigada pela carona"? Não era o que eu queria ouvir.
Fica a poucas quadras da casa do Tyler.
Eu queria estar errada ao seu respeito, Courtney. Queria mesmo. Queria que você me visse como uma amiga que estivesse pegando você em casa para irmos juntas a uma festa. E isso é muito diferente de simplesmente dar uma carona. Naquele momento eu soube como a festa ia se desenrolar para nós. Mas a maneira como ela terminou? Bem, isso foi uma surpresa. Foi... esquisito.
Atrás de cada assento, há uma placa de acrílico com um mapa de todas as linhas de ônibus da cidade. Este ônibus passa pela casa da Courtney, entra à esquerda e para a uma quadra antes da casa do Tyler.
Estacionamos a duas quadras e meia da festa, que foi, na verdade, onde conseguimos a vaga mais próxima. Meu carro tem um som daqueles que continuam tocando mesmo depois que a gente desliga o motor. Só para quando alguém abre uma das portas. Mas naquela noite, quando saí do carro, a música não parou... ela continuou soando distante.
"Nossa!", você se surpreendeu. "Acho que essa música vem da festa!"
Será que comentei que estávamos a duas quadras e meia de distância? O som estava alto mesmo.
Aquela festa sem dúvida implorava por uma visita da polícia.
É por isso que não vou a muitas festas. Falta tão pouco para eu ser o orador da nossa formatura! Um erro pode estragar tudo.
Tomamos nossos lugares na onda de pessoas em direção à festa... como se estivéssemos nos juntando a um cardume de salmões subindo a correnteza para acasalar. Quando chegamos lá, dois jogadores de futebol americano — que nunca são vistos, nem nas festas, sem a camisa do uniforme — estavam ao lado do portão, recolhendo o dinheiro da cerveja. Enfiei a mão no bolso para pegar algumas notas.
Por cima daquela música altíssima, você gritou:
"Não se preocupe com isso!"
Nos aproximamos do portão e um dos caras cobrou:
"Dois dólares a caneca."
Ele percebeu com quem estava falando:
"Ah, me desculpa. E aí, Courtney? Aqui está a sua."
E entregou uma caneca de plástico vermelho.
Dois dólares? É isso?
Você acenou com a cabeça na minha direção. O cara sorriu e me entregou uma caneca. Mas quando peguei, ele não a soltou.
Ele me disse que seu substituto estava para chegar a qualquer momento e que devíamos entrar juntos. Sorri para ele, mas você me agarrou pelo braço e me puxou para dentro.
"Não faça isso", você sussurrou. "Confie em mim."
Perguntei por quê, mas você estava dando uma olhada geral na galera e não me ouviu.
Não me lembro de nenhuma história da Courtney com algum jogador de futebol. Com jogadores de basquete sim. Muitos dele Mas de futebol? Nenhum.
Você me disse que devíamos ir cada uma para um lado. E qual foi a primeira coisa que pensei quando você disse isso? Caramba, essa nossa história com certeza não durou muito. Você falou que havia algumas pessoas ali que precisava ver e que íamos nos encontrar mais tarde. Eu menti e disse que havia alguém ali que eu precisava ver também.
Aí você me pediu para não ir embora sem você.
"Você é a minha carona, lembra?"
Como eu poderia esquecer, Courtney?
O ônibus entra na rua da Courtney, cheia de placas com "vende-se" fixadas nos jardins.
Quando passamos pela casa fico meio que esperando ver uma estrela vermelha na porta da frente. Mas a entrada da casa permanece escura. Nenhuma luz sobre a porta. Nenhuma luz nas janelas.
Olhou para mim e soltou, enfim, a palavra mágica: "tchau". E saiu.
"Clay?" Um arrepio gelado corre a minha espinha.
A voz de uma garota. Mas não vem dos fones de ouvido.

▌▌

Alguém chamou meu nome. De onde?
No outro lado do corredor do ônibus, o cinturão escuro funciona como espelho. Vejo o reflexo de uma garota sentada atrás de mim. Talvez da minha idade. Mas será que eu a conheço? Viro o corpo e olho por cima do banco.
Skye Miller. Minha paixão do nono ano. Ela sorri, ou talvez esteja mais para uma careta irônica, porque sabe que me deu um baita susto.
Sempre foi bonita. Ela se veste com roupas largas e sem graça. Nesta noite, um conjunto de moletom cinza. Puxo os fones dos ouvidos.
— Oi, Skye.
— O ponto da sua casa? — ela pergunta — Ele para se você pedir.
Faço um sinal negativo com a cabeça. Não. O ônibus entra a esquerda no cruzamento seguinte e encosta.
A porta desliza até abrir por completo e o motorista grita:
— Alguém aí atrás vai descer?
Miro a frente do ônibus, dentro do retrovisor, e encontro o olhar do motorista. Aí me volto para Skye.
— Aonde você vai? — pergunto.
A careta retorna. Seus olhos permanecem focados nos meus.
Ela está se esforçando ao máximo para me deixar incomodado. E está conseguindo.
— Não vou a lugar nenhum — ela acabou falando.
Por que ela faz isso? O que aconteceu depois do nono ano? Por que ela insiste em não ter amigos? O que mudou? Ninguém sabe. Certo dia, pelo menos parece que foi assim, de uma hora para a outra, ela deixou de querer fazer parte de qualquer coisa.
Enfim, este é o meu ponto, e eu tenho de descer. Fica no meio do caminho entre as duas das estrelas vermelhas: a cada do Tyler e a casa da Courtney.
Em vez disso, eu poderia ficar e conversar com a Skye. Para ser exato, eu poderia ficar e tentar conversar com ela. É quase garantido que seria um monólogo.
- Até amanhã – ela diz.
E foi isso. Fim de papo. Uma parte de mim, admito, fica aliviada.
Ergo a mochila por cima do ombro e saio andando para a frente do ônibus. Agradeço ao motorista e retorno ao ar frio do lado de fora. A porta se fecha atrás de mim. O ônibus arranca. A janela de Skye passa com a cabeça dela apoiada contra o vidro. Seus olhos estão fechados. Ajeito a mochila e aperto suas alças. Sozinho novamente, começo a caminhar.
Até a casa de Tyler. Como vou saber qual delas é a certa? A quadra é esta, isso eu sei, e fica deste lado do quarteirão, mas Hannah não deu nenhum endereço.
Se a luz do quarto dele estiver acesa, talvez eu consiga enxergar as persianas de bambu. Em cada casa pela qual eu passo, tentando não olhar fixamente durante muito tempo, procuro as tais persianas.
Talvez eu dê sorte. Talvez tenha uma placa no jardim dele. VOYEUR – ENTRE. Não consigo conter uma risada da minha piadinha infame.
Sinto que é errado sorrir, sabendo que as palavras de Hannah estão esperando por mim. Mas, no fundo, isso faz com que eu me sinta bem. Como se fosse a primeira vez que eu sorrisse em meses, apesar de fazer apenas algumas horas.
Então, a duas casas de distância, eu a vejo.
Paro de sorrir.
A luz do quarto está acesa e as persianas de bambu estão fechadas. Uma teia de aranha, feita de silver tape, remenda a janela quebrada.
Teria sido uma pedra? Alguém atirou uma pedra na janela de Tyler? Teria sido alguém que eu conheço? Alguém da lista?
Conforme me aproximo, quase consigo visualizar Hannah parada ao lado da janela dele, cochichando num gravador. Palavras suaves demais para eu escutar a distância. Mas, no final, elas chegam a mim.
Uma sebe quadrada separa o jardim da frente da casa do Tyler do jardim ao lado. Caminho em direção a ela para me esconder da sua visão. Porque ele deve estar de olho. Vigiando. Esperando alguém estourar sua janela.
— Você quer atirar alguma coisa?
O arrepio gelado volta como uma faca. Giro em torno de mim mesmo, pronto para acertar alguém e sair correndo.
— Peraí! Sou eu! Marcus Cooley, do colégio.
Dobro o corpo para a frente, apoiando as mãos nos joelhos. Exausto.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto.
Marcus me mostra uma pedra, do tamanho de um punho fechado.
— Pegue — ele convida.
Eu o encaro.
— Por quê?
— Você vai se sentir melhor, Clay. De verdade.
Olho para a janela. Para a fita adesiva. Aí, olho para baixo e fecho os olhos, balançando a cabeça.
— Me deixe adivinhar, Marcus. Você está nas fitas.
Ele não responde. Não precisa. Quando o encaro, os cantos de seus olhos lutam para conter um sorriso. E, nessa luta, dá para perceber que ele não está envergonhado.
Aceno com a cabeça para a janela de Tyler.
— Foi você quem fez isso?
Ele enfia a pedra na minha mão.
— Você seria o primeiro a dizer não, Clay.
Meu coração dispara. Não por causa do Marcus, nem por causa do Tyler ali dentro, em algum lugar, nem da pedra pesada em minha mão, mas por causa do que ele acaba de dizer.
— Você é o terceiro a vir até aqui. Além de mim — ele conta.
Tento imaginar alguma outra pessoa, além de Marcus, alguma outra pessoa da lista, atirando uma pedra na janela do Tyler. Mas não consigo. Não faz sentido.
Estamos todos na lista. Todos. Somos todos culpados por alguma coisa. Por que Tyler seria diferente do resto de nós?
Olho para baixo, encarando a pedra na minha mão.
— Por que você está fazendo isso? — quero saber.
Ele acena para algum ponto mais abaixo, na mesma rua.
— Aquela é minha casa, ali embaixo. Com a luz acesa. Tenho vigiado a casa do Tyler para ver quem aparece.
Não consigo imaginar o que Tyler contou para os pais dele.  Será que implorou para não trocarem de vidro da janela, porque outras pedras poderiam vir em seguida? E o que será que eles disseram? Será que perguntaram como ele sabia? Será que perguntaram o porquê?
— O primeiro foi o Alex — conta Marcus. Ele não parece nem um pouco envergonhado de me revelar isso. — Estávamos juntos na minha casa, quando, do nada, ele quis que eu mostrasse qual era a casa do Tyler. Eu não sabia por que, afinal, eles nem eram amigos, mas ele queria saber de qualquer jeito.
— E daí você simplesmente deu uma pedra para ele atirar na janela do cara?
— Não. A ideia foi dele. Eu nem sabia das fitas.
Jogo a pedra alguns centímetros para cima, apanho com a outra mão e sinto seu peso. Mesmo que pedras anteriores não tivessem enfraquecido, a janela não teria nenhuma chance contra esta aqui. Por que Marcus a escolheu para mim? Ele escutou todas as fitas, mas quer que seja eu a pessoa que vai acabar de vez com a janela de Tyler. Por quê?
Jogo a pedra de volta para a outra mão. Atrás do ombro de Marcus, posso ver a luz na entrada de sua casa. Eu deveria fazer ele me dizer qual é a sua janela. Deveria dizer que essa pedra vai atravessar uma das janelas da casa dele e seria melhor que me dissesse qual é a do seu quarto, para eu não assustar a sua irmã menor.
Agarro a pedra com força. Com muita força. Mas não há maneira de fazer minha voz não tremer.
— Você é um babaca, Marcus.
— O quê?
— Você está nas fitas também. Adivinhei?
— Assim como você, Clay.
Minha voz treme tanto pela raiva como pela tentativa de conter as lágrimas.
— O que nos torna tão diferentes dele?
— Ele é um voyeur. É uma aberração. Ficou olhando pela janela da Hannah, qual o problema em quebrar a dele?
— E você? O que você fez? — pergunto.
Por um momento, seu olhar fica paralisado. Então, ele pisca.
— Nada. É ridículo. Eu não pertenço a essas fitas. Hannah só queria uma desculpa para se matar.
Deixo a pedra cair na calçada. Ou eu fazia isso, ou a arrebentaria na cara dele, ali mesmo.
— Fique bem longe de mim — aviso.
— É a minha rua, Clay.
Meus dedos se fecham, cerrando o punho. Olho para baixo, para a pedra, seco de vontade de pegá-la de volta.
Mas viro as costas. Depressa. Ando todo o trecho que fica em frente à casa de Tyler sem olhar para a janela. Não quero pensar em nada. Tiro os fones do pescoço e os coloco de volta nos ouvidos. Enfio a mão no bolso e aperto o play.


Será que fiquei desapontada quando você disse tchau para mim, Courtney? Não muito. É difícil ficar desapontada quando algo que você já estava esperando se torna realidade.
Continue andando, Clay.
Mas será que eu me senti usada? Com toda certeza. E, ainda assim, o tempo todo que a Courtney me usava, ela provavelmente pensava que estava melhorando sua imagem para mim. Daria para dizer que... o tiro saiu pela culatra?
Aquela festa acabou se tornando uma noite de primeiras vezes. Eu vi minha primeiríssima briga de socos – que foi horrível. Não tenho ideia por qual motivo, mas começou bem atrás de mim. Dois caras gritavam e, quando me virei, um estava com o peito a poucos centímetros do peito do outro. Uma multidão começou a se juntar, incentivando-os a brigar. A muvuca se transformou numa muralha grossa, ninguém a fim de deixar a situação se acalmar. Tudo que precisavam era que um peito encostasse no outro, mesmo acidental mente, para a coisa estourar. O choque de um peito contra o outro se transformou num empurrão, que se transformou imediatamente num murro no queixo.
Depois de mais dois socos, virei as costas e saí empurrando qualquer um que estivesse na minha frente, para abrir caminho entre aquela muralha de gente, que, a essa altura, tinha quatro corpos de espessura. Algumas pessoas que estavam mais para trás se espichavam na ponta dos pés, procurando uma visão melhor.
Um nojo.
Corri para dentro, à procura de um banheiro para me esconder. Não me sentia fisicamente enjoada. Mas mentalmente... meu cérebro se retorcia de várias maneiras. A única coisa que eu conseguia pensar era que precisava vomitar.
Puxo o mapa para fora e procuro a estrela mais próxima, que não seja a casa de Courtney. Eu não vou lá. Não vou ficar escutando Hannah falar sobre ela encarando sua casa escura e vazia. Vou seguir adiante, para o próximo local.
Na aula de saúde, vimos, certa vez, um documentário sobre enxaquecas. Um dos entrevistados tinha o hábito de cair de joelhos e bater com a cabeça no chão, sem parar, durante os ataques. Isso desviava a atenção da dor que ele sentia no fundo do seu cérebro, onde não conseguia alcançar, para outra dor do lado de fora, sobre a qual ele tinha controle. De certa maneira, era isso que eu esperava fazer ao vomitar.
Fica difícil de enxergar a localização exata das estrelas vermelhas se eu não parar de andar, se eu não parar quieto debaixo de alguma lâmpada da rua. Mas não consigo. Nem mesmo por um instante.
Assistir àqueles caras se socando, para ninguém desconfiar que eles na verdade eram fracos, foi demais para mim. Sua reputação era mais importante que seus rostos. E a reputação de Courtney era mais importante que a minha reputação. Será que alguém naquela festa chegou mesmo a acreditar que ela me levou para lá como amiga? Ou sacaram que eu era seu ato de caridade mais recente?
Acho que nunca saberei.
Volto a dobrar o mapa e o enfio debaixo do braço.
Infelizmente, o único banheiro que encontrei estava ocupado... por isso, voltei lá para fora. A briga de socos tinha acabado, tudo tinha retornado ao normal, e eu precisava ir embora.
A temperatura continua a cair e eu abraço meu peito com força, enquanto sigo caminhando.
Quando me aproximei do portão, o mesmo portão pelo qual tinha entrado na festa, adivinhem quem estava parado ali, sozinho.
Tyler Down... todo equipado com sua câmera.
Está na hora de deixar Tyler em paz, Hannah.
Quando ele me viu, seu rosto ficou com uma expressão impagável. De dar pena. Ele cruzou os braços, tentando esconder a câmera. Mas por que quis fazer isso? Todo mundo sabe que ele faz parte da equipe de produção do álbum da escola.
Mesmo assim, perguntei.
“Para que é isso, Tyler?”
“O quê? Ah... isso aqui? Hum... para o álbum do ano.”
Então, atrás de mim, alguém chamou meu nome. Não vou dizer quem foi, porque não importa. Assim como a pessoas que agarrou minha bunda no Blue Spot Liquor, o que ele estava prestes a dizer era apenas um efeito colateral dos atos de outra pessoa – da falta de sensibilidade de outra pessoa.
“A Courtney falou que eu devia conversar com você, ele disse.
Solto rapidamente a respiração. Depois dessa, sua reputação está arruinada, Courtney.
Olhei para além dele. No fundo do quintal havia três barris prateados no meio de uma piscina inflável cheia de gelo. Ao lado da piscina, Courtney conversava com três garotos de outro colégio.
O menino parado na minha frente tomou devagarinho um gole de cerveja. “Ela disse que você é uma companhia divertida.” E comecei a amolecer. Comecei a baixar a guarda. Tudo bem, talvez eu estivesse certa a respeito da Courtney estar preocupada apenas em salvar sua imagem. Talvez ela pensasse que, mandando um garoto bonitinho para conversar comigo, eu esqueceria o quanto ela estava me ignorando na festa.
Ele era, sim, meio bonitinho. E, certo, talvez eu estivesse disposta a sofrer um pouco de amnésia seletiva.
Porém, algo aconteceu, Hannah. O que foi?
Depois de conversarmos um pouco, esse cara disse que tinha uma confissão a fazer. Não era bem verdade que Courtney mandara ele conversar comigo. Mas ele tinha ouvido falar sobre mim e foi por isso que veio me procurar. Perguntei o que a Courtney tinha dito e ele apenas sorriu e olhou para baixo.
Eu estava cheia desses joguinhos! Exigi que ele me contasse o que ela tinha falado a meu respeito. “Que você é uma companhia divertida”, repetiu ele.
Comecei a reerguer a guarda, tijolo por tijolo...
“Divertida como?
Ele deu de ombros.
“Como?” Prontos para esta, pessoal? Nossa doce senhorita Crimsen contou para esse cara, e para todos, ao redor, todos que podiam escutar sua voz, que eu tenho algumas surpresas guardadas nas gavetas da minha penteadeira.
Paro de respirar, como se tivesse levado um soco no estômago.
Ela inventou isso! A Courtney inventou isso!
De canto de olho, vi Tyler Down começar a se afastar. A essa altura, as lágrimas já começavam a brotar.
“Ela disse o que tinha lá dentro?, perguntei.
Novamente, ele sorriu.
Sentindo meu rosto queimar e minhas mãos começarem a tremer, perguntei por que ele tinha acreditado nela. “Você acredita em tudo o que dizem a meu respeito?
Ele falou para eu me acalmar, que aquilo não importava.
“Importa!, eu respondi. “Importa, sim!
Eu o deixei de lado para ter uma conversinha com Courtney. Mas, no caminho, tive uma ideia melhor. Corri até Tyler e parei  na frente dele.
“Você quer tirar uma foto?, perguntei. “Vem comigo. Agarrei seu braço e o conduzi pelo quintal.
A foto! Aquela do livro de rascunhos.
Tyler protestou durante o caminho inteiro, pensando que eu quisesse que ele tirasse uma foto da piscina com os barris de cerveja.
“Nunca vão publicar isso, ele cortou. “Você sabe, menores de idade bebendo...
É verdade. Por que iriam querem um álbum que mostras se a verdadeira vida dos estudantes?
“Não é isso. Quero que você tire uma foto de mim. De mim com a Courtney.
Eu juro que, nesse momento, a testa dele brilhava de suor. Eu e a garota da massagem nas costas, juntas novamente.
Perguntei se estava tudo bem.
“Sim, não, claro, tudo ótimo.
E isso foi exatamente o que ele disse.
Na foto, o braço de Hannah abraça a cintura da Courtney.
Hannah está rindo, mas Courtney não. Ela está nervosa.
E agora eu sei por quê.
Courtney estava esperando terminarem de encher sua caneca e falei para Tyler aguardar ali mesmo. Quando Courtney me viu, me perguntou se eu estava me divertindo.
“Alguém quer tirar uma foto sua”, eu falei.
Agarrei o braço dela e a puxei para onde estava Tyler. Disse para ela colocar de lado a caneca, senão a foto não poderia ser usada no álbum escolar.
Tyler a colocou no livro de rascunhos do Monet’s. Ele queria que nós a víssemos.
Isso não fazia parte do plano de Courtney. Ela tinha me convidado para ir à festa só para limpar seu lindo nome depois de me ignorar durante tanto tempo. Uma fotografia permanente, nos ligando uma à outra, não estava programada. Courtney tentou soltar minha mão.
“Eu... eu não quero, resmungou.
Me virei para encará-la.
“Por que não, Courtney? Por que você me convidou para vir aqui? Por favor, não me diga que servi apenas de motorista. Eu pensei que estávamos ficando amigas.
Ele deve ter colocado a foto no livro de rascunhos porque sabia que nunca a encontraríamos no álbum do ano escolar. Ele jamais a entregaria para isso. Não depois de ficar sabendo o que a fotografia realmente significava.
“Nós somos amigas, ela falou.
“Então, coloque sua bebida de lado, eu mandei. “Está na hora de tirar uma foto.
Tyler apontou a câmera para nós e ajustou o foco da lente, à espera dos nossos lindos sorrisos naturais. Courtney pôs a bebida de lado. Coloquei meu braço em volta da cintura dela e sussurrei:
“Se você, alguma vez, quiser pegar algo emprestado da minha penteadeira, Courtney, é só pedir.
“Prontas?, perguntou Tyler.
Me inclinei para a frente, fingindo que alguém tinha acabado de me contar a piada mais engraçada do mundo. Clique. Aí eu avisei que ia embora, porque a festa estava um saco.
Courtney implorou para que eu ficasse. Disse para eu ser razoável e falou que eu talvez estivesse sendo um pouco insensível. Ela não estava a fim de ir embora. Como poderia ir para casa, se a motorista não ficasse esperando por ela?
“Arrume outra carona”, eu sugeri.
E saí.
Uma parte de mim sentia vontade de chorar, por estar tão certa a respeito do convite de Courtney. Em vez disso, na longa caminhada de volta ao carro, comecei a rir. E gritei para as árvores:
“O que está acontecendo?
Então, alguém me chamou.
“O que você quer, Tyler?
Ele disse que eu tinha razão sobre a festa.
“A festa está mesmo um saco.
“Não, Tyler. Não está.
Aí perguntei por que ele tinha me seguido.
Ele baixou os olhos até a câmera e ficou mexendo na lente. Disse que precisava de uma carona para casa. Com essa, eu comecei a rir de verdade. Não especificamente do que ele tinha dito, mas do absurdo que aquela noite inteira tinha sido. Será que ele não tinha mesmo nenhuma noção de que eu sabia das suas rondas noturnas – das suas missões noturnas? Ou será que ele esperava sinceramente que eu não soubesse? Porque, desde que eu não soubesse, nós poderíamos ser amigos, certo?
“Tudo bem. Mas não vamos parar em lugar nenhum.”
Algumas vezes, durante o caminho, ele tentou conversar comigo. Mas eu cortei. Não queria agir como se estivesse tudo legal, porque não estava.
Depois de deixá-lo, peguei o caminho mais longo possível para casa.
Sinto que farei o mesmo.
Explorei vielas e ruas escondidas que nem sabia que existiam. Descobri bairros totalmente novos para mim. E, finalmente... descobri que estava cheia dessa cidade e de tudo o que havia nela.
Também estou começando a chegar a esse ponto, Hannah.

Próximo lado.

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