Epílogo

No ano seguinte à morte de Meg, nós lhe permitimos descansar em paz.
Organizamos uma última cerimônia. Não há velas, nenhum hino de louvor, nem sequer uma autoridade religiosa para celebrá-la. Mas Meg está presente. Joe e Sue decidiram cremá-la, e agora suas cinzas serão espalhadas por vários lugares que ela amava. Eles chegaram a um acordo com o cemitério católico para que ela possa ter um túmulo ali, desde que não haja corpo.
Hoje, vamos jogar parte delas sobre as colinas do Pioneer Park. Os amigos locais de Meg estarão lá, bem como várias pessoas de Seattle e, naturalmente, seus amigos de Cascades.
Alice me pegou no alojamento e veio de carro comigo na noite passada, e Tricia me recebeu em casa como se eu estivesse longe há dois anos, em vez de dois meses. Desde que entrei para a faculdade, ela vem me mandando torpedos quase todos os dias. (Raymond já é coisa do passado, mas o seu legado de torpedos permanece.) Mas ela parece feliz por mim, por eu haver tentado a sorte e me candidatado a (e implorado para) ser admitida no meio do período na Universidade de Washington.
— Não vou poder pedir nenhuma bolsa de estudos, e provavelmente nem muitos subsídios. Vou ter que pegar empréstimos — falei para ela.
— Nós duas vamos pegar empréstimos. Existem coisas piores para se ter nas costas do que uma dívida.

° ° °

Alice está indecisa quanto ao que vestir, arrependida por não ter trazido nada preto, por mais que eu garanta a ela que não é esse tipo de cerimônia. Todos já vestimos preto o suficiente.
Até Tricia arranjou um vestido novo numa liquidação; ele é turquesa.
— O que você vai vestir? — pergunta Alice.
— Devo ir de jeans.
— Você não pode ir de jeans!
— Por que não?
Alice não tem resposta para isso.
— Quando o resto do povo vai chegar?
— Richard chegou ontem à noite. Ben saiu hoje de manhã cedo. Ele vai nos encontrar no parque. Disse que Harry vai pegar carona com ele.
— Mal vejo Harry ultimamente. Ele conseguiu um estágio na Microsoft, então nunca está no campus.
— Eu sei. Nós nos falamos semana passada.
Harry me telefonou para avisar que, após ser alvo de tantas investigações, os fóruns do Solução Final foram desativados. Esse foi o único resultado concreto de tudo o que aconteceu.
A polícia interrogou Bradford Smith, chegando até a confiscar seu computador. Foi um prazer imaginar sua expressão indignada degenerar em medo quando os policiais bateram à sua porta, quando levaram seus arquivos. Ele deve ter sabido que eu era a pessoa por trás disso, o planeta sem sol que, no fim das contas, ainda tinha alguma luz de sobra.
Mas não houve nenhuma acusação. Bradford foi muito cauteloso e não violou nenhuma lei. Usou palavras de terceiros, links para sites anônimos. Não havia evidências suficientes para incriminá-lo.
Antes de os fóruns serem desativados, cheguei a entrar neles algumas vezes para procurar por All_BS, mas não o encontrei. Ele poderia ter mudado de nickname ou trocado de grupo, mas, por algum motivo, não me parecia ser o caso. Pelo menos por ora, acredito que o silenciei.
Joe e Sue consultaram advogados e, segundo eles, talvez eu tivesse reunido evidências suficientes para dar entrada em um processo civil. Os dois estão pensando no assunto, mas Sue acha que não tem estômago para a briga. Isso não vai trazer Meg de volta. Para ela, não precisamos de vingança, mas de perdão. Tenho pensado muito no sermão de Jerry ultimamente. Talvez Sue tenha razão. Embora Bradford Smith não seja a pessoa que nenhum de nós precisa perdoar.
Tricia para em frente à minha porta, toda emperiquitada em seu novo vestido que vai fazê-la morrer de frio, com saltos que ficarão enlameados pelo caminho. Ela está bonita. Olha para Alice, olha para mim, olha para a foto de Meg, para o retrato de nós duas ainda crianças, no rodeio, que resolvi deixar na parede.
— Vamos lá — diz ela.

° ° °

Subimos a trilha do Pioneer Park até a pequena clareira no bosque. Consigo ouvir Samson latir ao longe. À beira de uma curva, vejo Joe e Sue conversando com as pessoas que conheceram em seu grupo de apoio para amigos e familiares de suicidas. Músicos de Seattle estão afinando seus instrumentos. Scottie está brincando de fazer embaixadinhas com Richard e Harry. Sharon Devonne e alguns outros conhecidos de Meg da escola estão conversando com a Sra. Banks e seu marido. Alexis e o noivo dela, Ryan, que já está de volta do Afeganistão, seguram as mãos de uma garotinha, Felicity. Fico um pouco surpresa ao ver Tammy Henthoff aqui, sozinha. Ela cruza olhares comigo e fazemos um cumprimento de cabeça.
Ben está um pouco mais afastado, olhando colina abaixo. Acompanho o olhar dele até a nave espacial e, no mesmo instante, viramos para nos entreolharmos. Não sei dizer como tanta coisa pode ser comunicada com um simples olhar, mas é o que acontece. Complicado e confuso de um jeito totalmente bizarro é uma ótima maneira de descrever. Mas talvez o amor seja assim mesmo.
Preparada?, pergunta ele, apenas articulando a palavra.
Faço que sim. Estou preparada. Logo os músicos se juntarão para tocar a canção de Bishop Allen sobre vaga-lumes e perdão, eu farei um elogio fúnebre à minha amiga e nós espalharemos o que restou dela ao vento. E então desceremos a colina, passando pela nave espacial, até chegarmos ao seu túmulo no cemitério, onde uma lápide trará o seguinte epitáfio:

Megan Luisa Garcia
EU ESTIVE AQUI

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