41

Durmo às nove da noite, sem trocar de roupa, e quando acordo às cinco da madrugada, Tricia está dormindo à mesa da cozinha. Cutuco de leve seu pulso.
— Chegou em casa agora há pouco? — pergunto.
Ela dá de ombros, sonolenta e confusa.
— Estava esperando por mim?
Ela torna a dar de ombros.
— Mais ou menos.
— Pode ir para a cama agora. Estou bem.
— Está? — Ela boceja. — Como foi com Joe e Sue?
— Foi bom. Mais tarde eu conto, quando você estiver semiconsciente.
— Semiconsciente — repete ela, e fica séria: — Mas você está bem?
Faço que sim com a cabeça.
— Estou bem. — Já venho dizendo isso há um bom tempo, mas agora entendo que é verdade.
— Vamos tomar café da manhã daqui a algumas horas. Na lanchonete? — sugere ela.
— Parece ótimo.
Tricia se arrasta até a cama. Desfaço a mala e faço uma pilha com as roupas sujas. Vou ter que dar um pulo na lavanderia hoje ou, quem sabe, pergunto à Sra. Chandler se posso bater uma máquina na casa dela no dia da próxima faxina. As pessoas têm sido bastante generosas nas vezes em que precisei de ajuda. Preparo um bule de café e saio para a varanda da frente enquanto ele fica pronto.
O dia está raiando. As colinas estão rosadas com as primeiras pinceladas de luz matinal, embora uma camada de névoa ainda cubra o solo. Não há quase ninguém na rua a esta hora; nenhum carro, com exceção da caminhonete do entregador de jornais.
Ouço outro veículo ao longe, o ruído familiar do motor, embora não seja do Explorer dos Garcias nem do Camry caquético de Tricia, que se encontra estacionado na entrada. Ele passa batido pelo próximo quarteirão e não consigo acreditar no que estou vendo. Não. Não é possível.
Mas então faz o contorno e volta a descer o quarteirão seguinte, devagar, como se estivesse perdido. Levanto da varanda e ando até a rua. O carro para de repente e fica ali, no meio do asfalto, com o motor ligado, antes de subir o quarteirão de volta de marcha a ré e fazer a curva para a minha rua, parando bem em frente ao meio-fio em que estou de pé.
Ele está um caco. Uma barba de um dia no rosto e quem sabe quantos meses de noites insones que lhe deram olheiras. Talvez ele tivesse ficado nesse estado lastimável durante a viagem e eu não tenha notado porque foi acontecendo aos poucos, mas o Ben que sai do carro é uma versão quase irreconhecível daquele cara bonito que vi grunhir nos palcos alguns meses atrás.
— O que está fazendo aqui? — pergunto.
— O que acha que estou fazendo aqui? — Ele soa tão devastado que é de cortar o coração. — Tendo uma vida boa?
— Como você está aqui? São, tipo, 24 horas de viagem. — Calculo quanto tempo faz que o deixei em Las Vegas ontem: há pouco mais de dezessete horas.
— São 24 horas se você parar.
Isso explica tudo. Dirigir a noite inteira sozinho pode fazer você envelhecer um ano em um dia.
— Como você sabia onde me encontrar?
Ele esfrega os olhos com a base das mãos.
— Meg me contou onde morava. A cidade é bem pequena. — Ele faz uma pausa. — Sempre soube onde encontrar você, Cody.
— Ah.
Ele parece muito exausto. Quero trazê-lo para dentro de casa, deitá-lo na minha cama, botá-lo debaixo dos lençóis e tocar seus cílios antes de eles se fecharem para dormir.
— Por que você fugiu daquele jeito?
Não sei o que dizer. Estava feliz. Estava com medo. Estava chocada. Coloco as mãos no peito, na esperança de que isso seja explicação suficiente.
Ficamos parados ali por alguns instantes.
— Eu estive com os pais de Meg — falo, enfim. — Contei sobre Bradford. Aparentemente, a polícia já havia contado a eles sobre o envolvimento de Meg com as pessoas do Solução Final.
Os olhos pesados de Ben se arregalam de surpresa.
— Eles também me disseram que Meg sofria de depressão. Havia tido um episódio depressivo no ensino médio que eu não percebi, por mais que estivesse ao lado dela e fosse sua melhor amiga. E teve outro logo que se mudou para Tacoma. Antes de conhecer você. — Eu o encaro. Seus olhos, como a pele debaixo deles, parecem feridos. — Então, ao que parece, não foi culpa sua. Nem minha. — Tento dizer essa última parte em um tom irreverente, mas minha voz falha.
— Nunca pensei que tivesse sido culpa sua — afirma Ben com brandura. — Mas percebi com o tempo que também não era culpa minha.
— Mas você disse que a morte dela pesava na sua consciência.
— E pesa. Sempre vai pesar. Mas não acho que eu tivesse tanta importância a ponto de causá-la. Além disso... — Ele deixa a frase no ar.
— Além disso, o quê?
— Não consigo deixar de pensar que, se fosse minha culpa, isso não teria trazido você para a minha vida.
Meus olhos se enchem de lágrimas.
— Estou apaixonado por você, Cody. Sei que essa história toda é complicada e confusa de um jeito totalmente bizarro. A morte de Meg foi uma tragédia e um desperdício do pior tipo, mas não quero perder você só porque a encontrei desse jeito tão bizarro.
Agora estou chorando.
— Ben McCallister, você não presta. Me faz chorar mais do que praticamente qualquer outra pessoa que eu tenha conhecido — digo, mas vou em direção a ele.
— Eu também derramei algumas lágrimas na noite passada. — Ele se aproxima de mim.
— Aposto que sim. Mais de 1.500 quilômetros sem iPod.
— Pois é. Era a música que estava faltando. — Ele chega um passo mais perto. — Eu não devia ter deixado você ir embora. Devia ter dito alguma coisa ontem, mas foi intenso para mim também, e você me deu medo, Cody. Você me dá bastante medo.
— Isso é porque você é um otário da cidade grande. Otários da cidade grande sempre têm medo.
— Foi o que ouvi dizer.
— Bem, você também me dá medo.
Abro os braços para ele. E, como sempre acontece quando me permito ser eu mesma com Ben McCallister, medo é o oposto do que eu sinto.
Ficamos abraçados no ar matinal. Ele afasta uma mecha de cabelo dos meus olhos, beija a minha têmpora.
— Estou bastante fragilizada agora — aviso. — Tudo está meio que desmoronando ao mesmo tempo.
Ben assente. Para ele também.
— E isto pode ser difícil — continuo. — “Complicado e confuso de um jeito totalmente bizarro”, como você diz.
— Eu sei. Vamos ter que aguentar firme, vaqueira.
— Vamos ter que aguentar firme — repito, descansando a cabeça contra ele. O corpo inteiro dele relaxa. — Quer entrar? Dormir um pouco?
Ele balança a cabeça.
— Talvez mais tarde.
O sol está nascendo e a névoa da madrugada já se dissipou. Pego a mão dele.
— Venha.
— Para onde vamos?
— Dar uma caminhada. Quero mostrar a cidade para você. Tem uma nave espacial muito louca no parque, a vista lá de cima parece não acabar nunca.
Entrelaço meus dedos nos dele e começamos a andar. Rumo ao meu passado. Rumo ao meu futuro.

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