39

Depois, Ben pega no sono, prendendo-me na caverna dos seus braços. Deve estar uns 27 graus no quarto, o pobre ar-condicionado incapaz de fazer frente ao calor brutal do deserto. Além disso, o próprio Ben irradia calor como uma fornalha. Mas não saio do lugar, por mais que esteja quente e melada de suor. Quero continuar ali, e logo adormeço também. Acordo várias vezes durante a noite, os braços de Ben ainda ao meu redor.
Então, acordo de manhã e eles não estão mais ali. Sinto frio, embora o quarto, que nunca chegou a refrescar à noite, esteja começando a ficar quente outra vez. Me sento na cama. Não há sinal de Ben, mas as coisas dele estão em uma pilha bem organizada no canto do quarto.
Entro no chuveiro. Estou dolorida entre as pernas, minha virgindade recém-perdida. Meg adorava o fato de eu parecer durona e sexy, mesmo sendo virgem. E agora não sou mais. Se ela estivesse aqui, eu poderia lhe contar isso.
O chuveiro fica gelado, embora isso nada tenha a ver com a temperatura da água: percebo que não poderia contar a ela. Porque perdi a virgindade com ele. Com Ben. E ele foi dela primeiro, mesmo que só por uma vez.
Eu trepei com ela, foi o que ele disse.
Mas eu sou diferente. Eu e ele, nós ficamos amigos antes.
Então, me lembro do resto daquela conversa. Antes de tudo ir pro cacete, nós éramos amigos. E depois: Quando você trepa com uma amiga, estraga tudo.
Não. Nosso caso é diferente.
— Eu sou diferente — digo em voz alta no chuveiro.
Quase caio na gargalhada. Afinal, quantas outras garotas já tentaram se convencer disso sobre Ben McCallister para se sentirem melhor debaixo do chuveiro na manhã seguinte?
Rostos surgem diante de mim. O do meu pai. A expressão de ódio contra ele nos olhos daquela adolescente. A fúria no semblante de Bradford quando eu disse aquilo sobre o filho dele. Os vários níveis de repulsa que vi no rosto de Ben, certamente refletidos pelo meu próprio.
Penso em um dos primeiros e-mails que li dele. O que deu início a toda esta história.
Você precisa me deixar em paz.
Através das paredes finas, ouço a porta se abrir e fechar em seguida. Desligo o chuveiro, constrangida por estar no banheiro com todas as minhas roupas do lado de fora. Enrolo-me no máximo de toalhas que consigo e ando na ponta dos pés até a minha mochila.
— Ei — diz Ben.
Com o rabo do olho, vejo que ele também não está me fitando.
— Ei — respondo, olhando fixamente para a minha pilha de roupas.
Ele começa a dizer algo, mas eu o interrompo:
— Espere um pouco. Deixe eu colocar uma roupa.
— Ah, tudo bem.
No banheiro, visto a saia cortada e a blusa que estão sujas demais até para mim e passo um bom tempo me ajeitando e tentando não pensar em como, depois que eu sair, Ben não vai olhar para mim.
Respiro fundo e abro a porta. Ben está ocupado misturando algum tipo de bebida. Sem erguer os olhos, ele começa a falar super-rápido:
— Eu saí para ver se arranjava um café gelado. Parece que eles têm Starbucks aqui, mas ficam todas dentro dos cassinos e eu não estava a fim de conversa. Nenhum outro lugar tinha café gelado, nem a cafeteria. Então, no fim das contas, consegui um café mais ou menos fresco e o meu próprio gelo, e parece que está dando certo.
Ele está falando a mil por hora e passa a tagarelar sobre café gelado em um nível de detalhe que eu só tinha ouvido antes de Alice. E ainda não olhou para mim.
— Pedi uma média de café com leite — continua ele. — Não sei por quê, mas gosto do meu café gelado com leite. Me faz lembrar sorvete ou algo assim.
Minha vontade é gritar: Pare de falar sobre café! Mas não faço isso. Apenas concordo com a cabeça.
— Quer ir de novo a um daqueles bufês recarregar as baterias antes de pegarmos a estrada ou prefere se separar o quanto antes?
Ontem Ben disse que a diferença entre nós dois é que ele aprendia com os seus erros. Ele tinha razão. E eu sou uma idiota.
— Acho melhor nos separarmos — respondo.
Os olhos de Ben faíscam por um instante, mas então se afastam depressa, como se eu tivesse dado a resposta certa.
— Sem problema. Como você quiser.
Eu quero você. Quero me deitar de volta na cama e sentir os braços dele ao meu redor.
Mas sei que não é assim que funciona. Quando você dá para o barman, acabam as bebidas de graça. Aprendi isso com Tricia. Aprendi com Meg. Aprendi com o próprio Ben. Além do mais, ele me falou desde o início quem era; não posso dizer que não sabia.
— Na verdade, preciso ir para casa — digo a Ben.
— É para onde estamos indo. — Ele dobra uma camisa.
— Tipo, agora.
Ele olha para a colcha da cama praticamente feita em que não dormimos na noite passada.
— O carro precisa de gasolina, e provavelmente de óleo. — replica Ben. Sua voz soa mais dura, recuperando um pouco daquele velho grunhido. — Se está com tanta pressa, pode cuidar disso enquanto eu arrumo as coisas.
— Certo — respondo. Os braços dele, o conforto que eles me trouxeram, parecem muito distantes agora. — A gente se encontra no carro?
Ben joga o chaveiro para mim e eu o pego no ar. Ele faz menção de dizer algo, mas depois desiste, então pego minhas coisas e as carrego para fora. Estou botando gasolina quando meu celular toca e eu me apresso a pegá-lo. Ben. Isto é ridículo. Estamos sendo ridículos.
— Cody! Onde você se meteu? Era para você estar em casa dois dias atrás.
Não é ele. É Tricia. Assim que ouço a voz dela, sinto um nó na garganta.
— O que houve? — pergunta ela.
— Mãe?
— Cody, onde você está? — Ouço o medo na voz dela. Porque eu nunca, nunca a chamo de mãe.
— Preciso voltar para casa.
— Você está bem?
— Estou. Mas preciso voltar para casa. Agora.
— Onde você está?
— Em Laughlin.
— E onde fica isso?
— Em Nevada. Por favor… quero voltar para casa. — Estou prestes a desmoronar.
— Ok, querida, não chore. Vou dar um jeito. Laughlin, Nevada. Cody, aguente firme. Vou dar um jeito. Deixe seu telefone ligado.
Não faço ideia de como Tricia vai “dar um jeito”. Ela está tão sem grana quanto eu. Não sabe como usar um computador e não deve nem saber onde fica Nevada, quanto mais Laughlin.
Mas, de alguma forma, me sinto melhor.

° ° °

Quando volto, Ben já está me esperando no andar de baixo, em frente ao quarto. Pego os óculos escuros e coloco-os para esconder meus olhos vermelhos. Abro o porta-malas e ele acomoda nossa bagagem lá dentro.
— Eu dirijo — falo.
Talvez não seja uma boa ideia. Estou trêmula, mas, se estiver dirigindo, pelo menos terei algo em que me concentrar.
— Ok — resmunga Ben.
— Avise quando quiser parar para comer — digo formalmente.
Ele apenas assente.
No carro, Ben se concentra na música, mas o adaptador do iPod morreu, então só nos resta o rádio, que toca apenas músicas ruins. Ele enfim encontra uma canção dos Guns N’ Roses, “Sweet Child o’ Mine”. Eu costumava gostar dessa música, mas agora, como todo o resto, ela está abrindo uma cratera no meu estômago.
— Minha mãe adorava essa música — comenta Ben.
Apenas meneio a cabeça.
— Ouça, Cody. — Isso soa exatamente como os Garcias e seus E, Cody.
Antes que eu possa responder, meu celular toca. Tento pegá-lo e ele cai no chão. Dou uma derrapada.
— Cuidado! — grita Ben.
— Atenda!
Ele pega o telefone, atabalhoado.
— Alô — diz, virando para mim em seguida. — É a sua mãe.
— Tricia — falo, pegando o celular.
— Você não devia dirigir e falar ao telefone ao mesmo tempo — ralha Ben.
Reviro os olhos, mas paro no acostamento.
— Onde você está agora?
Tricia não me pergunta quem atendeu nem por que não estou em Tacoma como falei que estaria. Nunca foi do feitio dela se preocupar com detalhes.
— Não sei. Devo estar a uns 30 quilômetros de Laughlin. Na Rodovia 95.
— Já passou de Las Vegas?
— Não. Ainda estou a 60, 65 quilômetros de lá.
Ouço-a suspirar, aliviada.
— Que bom. Tem um voo da Southwest à uma e meia saindo direto de Vegas para Spokane. Acha que consegue chegar a tempo?
— Acho que sim.
Ouço-a falar alguma coisa e, ao fundo, um monte de vozes.
— Ok, vou reservar o voo para você. Se perder esse, tem outro logo depois, mas com escala em Portland, então você teria que trocar de avião.
Tricia fala como se fosse uma espécie de agente de viagens, como se fizéssemos isso o tempo todo, quando na verdade eu nunca entrei em um avião antes.
— Me ligue assim que entrar no avião para eu saber a que horas devo apanhar você. Parece que eles não deixam mais a gente ficar no portão de desembarque, logo espero você na área de restituição de bagagem.
— Combinado — respondo, como se alguma parte disso fizesse sentido para mim.
— Vou mandar uma mensagem para você com as informações do voo — diz ela, e me sinto imediatamente grata a Raymond por ter lhe apresentado a essa tecnologia. — E nos vemos à tarde. Vou levar você para casa.
— Obrigada.
— Para que servem as mães?
Desligo e olho para Ben, que está me encarando, confuso, embora eu possa ver que ele ouviu os dois lados da conversa.
— Vou ficar em Vegas e fazer o resto da viagem de avião.
— Por quê?
— Vai ser mais fácil e mais rápido para você, que não vai precisar fazer nenhum desvio.
O trajeto daqui para Seattle passa bem no meio da parte leste de Washington, onde moro, e agora ele vai precisar dirigir mais de 1.500 quilômetros sozinho. Mas estou tornando a coisa mais fácil para ele. Essa parte é verdade.
Passamos a próxima hora em silêncio. Chegamos ao aeroporto de Las Vegas por volta do meio-dia. Estaciono na área de carga e descarga, onde os carros estão parados lado a lado em fileiras de dois. Atrás de nós, motoristas buzinam loucamente, tentando nos apressar, como caubóis tocando gado. Pego minhas coisas e Ben sai do banco do carona, me observando.
Eu viro para Ben. Ele está encostado no carro. Sei que devo falar alguma coisa. Agradecer a ele. Libertá-lo. Ou talvez libertá-lo seja justamente a melhor maneira de lhe agradecer. Mas, antes que eu possa dizer algo, ele me pergunta:
— O que você está fazendo, Cody?
É doloroso. É muito, muito doloroso. Mas não está certo. Por vários motivos. Então eu lhe digo a mesma coisa que disse todos aqueles meses atrás, mas sem nenhuma petulância.
Inclusive, talvez seja o que de melhor você pode desejar para alguém.
— Tenha uma vida boa.
Então, fecho a porta atrás de mim.

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