35

Encontro Ben no carro às sete com uma caixa de rosquinhas e dois cafés.
— Viramos policiais agora? — pergunta ele.
— Pensando bem, estamos meio de tocaia.
Ben ergue um pedaço de papel.
— Já coloquei gasolina. E consegui informações sobre como chegar à casa do seu pai em Truckee.
Pai. Casa do meu pai. É um conceito que não faz sentido para mim. Como ir de carro até a lua.
— Obrigada.
Ele estende o papel e, por um instante, hesito. Harry disse que meu pai morou em seis endereços diferentes ao longo dos últimos dez anos. Ao ouvir isso, tive um mau pressentimento, embora não soubesse dizer se era por medo de não conseguir encontrá-lo ou por medo de encontrá-lo.
Pego o papel da mão de Ben.
— Quer assumir o volante? — pergunta ele.
Balanço a cabeça. Estou nervosa demais para dirigir.
Ben parece entender isso, porque, assim que pegamos a estrada, começa a falar sem parar, me contando como foi crescer em Bend, a meca do snowboarding, mas nunca ter dinheiro para praticar o esporte, de modo que ele e seus irmãos faziam as maiores loucuras, como adaptar seus skates e descer as montanhas cobertas de neve com eles.
— Meu irmão mais velho, Jamie, quebrou os dois cotovelos uma vez.
— Ai!
— Bend é bastante parecido com Truckee. Com esse hippies caipiras, que adoram fazer coisas ao ar livre.
Concordo com a cabeça.
— Pronto, já saímos da rodovia. Vá me dando as instruções.
Alguns minutos depois, paramos em frente a uma casa de madeira caindo aos pedaços. O quintal da frente está entulhado de lixo, com um cortador de grama enferrujado, um monte de brinquedos de plástico, um sofá com o estofo para fora.
— É aqui?
— Este é o endereço que Harry me deu.
— Você quer entrar?
Olho para o quintal imundo. Esta não é casa respeitável do homem respeitável com uma família respeitável que pintei para mim mesma. Talvez as informações de Harry estejam desatualizadas.
— Ou podemos simplesmente esperar aqui — completa Ben. — Ver quem sai de lá.
Sim. Isso. Concordo.
Paramos o carro do outro lado da rua. Ben bebe seu café e come seis rosquinhas. Fico observando a casa acordar. Luzes se acendem. Persianas são levantadas. Por fim, cerca de uma hora depois, a porta da frente é aberta e uma garota sai. Ela é mais nova que eu; deve ter uns 14 anos e parece emburrada enquanto pega sem muito ânimo alguma porcaria do quintal.
Logo em seguida, a porta torna a abrir e um garotinho de camisa e fralda sai engatinhando. A menina apanha o garotinho. Continuo olhando, confusa. A garota é filha dele? O bebê também? Ou o bebê é da garota? Será que estamos na casa errada?
— Quer que eu bata à porta? — oferece-se Ben.
— E vai dizer o quê?
— Sei lá... que sou um vendedor?
— E está vendendo...?
— Qualquer coisa. TV a cabo. Maquiagem. A palavra de Deus.
— Você precisa de roupas melhores para ser agente de vendas do Todo-Poderoso.
Enquanto pensamos no que fazer, um ronco de motor vai ficando cada vez mais alto até parecer uma explosão, o som característico de uma Harley-Davidson. Ela para bem ao nosso lado e nós nos afundamos nos bancos do carro. A moto continua em frente e entra no quintal, onde ronca mais algumas vezes, fazendo o bebê gritar de medo. A garota pega o bebê e começa a berrar contra quem quer que esteja em cima da moto. A pessoa desliga o motor barulhento e tira o capacete. É um homem. Ele está de costas para nós, então não consigo enxergar seu rosto, mas vejo o ódio estampado na face da garota. A porta da frente é escancarada e uma mulher de cabelos pretos curtos sai, um cigarro em uma das mãos e um copo de bebê na outra. Ela apaga o cigarro, apanha o bebê e começa a discutir com o motoqueiro.
Fico assistindo a tudo isso como se fosse um filme. O motoqueiro e a mulher continuam discutindo. Ela lhe entrega o bebê, que começa a berrar, então ele o devolve à garota. A mulher diz algo, ele dá um tapa no banco da moto e se vira, olhando bem na minha direção, mas sem me ver de fato. Só que eu o vejo. Seus cabelos, do mesmo tom de castanho que os meus; seus olhos, amendoados e castanho-acinzentados, iguais aos meus; sua pele, cor de oliva, idêntica à minha.
Idêntica.
Mais gritos. A adolescente larga o bebê no chão e vai embora pisando firme, aos prantos. O bebê também começa a chorar. A mulher apanha o neném e o carrega para dentro, batendo a porta atrás de si. O homem entra na garagem, também batendo a porta.
Ben olha primeiro para mim, depois para a casa e então de volta para mim. Balança a cabeça.
— Que foi? — pergunto.
— É estranho.
— O quê?
Ben olha outra vez para a casa, e para mim de novo.
— Ele parece com você, mas poderia ser meu pai.
Fico calada.
— Você está bem? — indaga ele depois de um tempo.
Faço que sim com a cabeça.
— Quer ir até lá? Ou voltar mais tarde, quando talvez eles estejam mais calmos?
Quando eu era pequena, gostava de imaginar meu pai como um homem de negócios, um piloto, um dentista, alguém diferente. Mas ele não é nada diferente. É exatamente como eu sabia que seria. Eu não deveria estar surpresa. Tricia sempre o chamou de doador de esperma. Ele deve ter sido um caso de uma noite do qual eu fui o resultado acidental. Nunca houve nenhum motivo extraordinário para ele me visitar, responder meu e-mail ou mesmo enviar um cartão de feliz aniversário que fosse. Aposto que ele nem sabe quando é o meu aniversário.
Por que saberia? Para isso, minha existência precisaria ter alguma importância para ele.
— Vamos embora — digo a Ben.
— Tem certeza? Ele está bem ali.
— Vamos embora — repito, ríspida.
Ben não fala mais nada; apenas dá meia-volta e nós partimos.

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