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Às dez da noite, estamos nas alturas das montanhas de Sierra Nevada, presos atrás de trailers e caminhonetes que carregam enormes barcos a motor. Ben está dirigindo há seis horas sem parar. O carro precisa de mais gasolina e nós temos que arranjar um lugar para dormir, mas eu quero seguir em frente, chegar ao nosso destino.
— É melhor pararmos logo, em vez de mais tarde — opina Ben.
— Mas ainda não chegamos.
— Truckee fica bem perto do lago Tahoe. Estamos no verão. Todos os hotéis vão estar lotados. É melhor pararmos em Reno. Além do mais, se ficarmos em um hotel-cassino, vai ser mais barato.
— Ah, entendi.
Hotéis. Na noite passada, não precisei me preocupar com isso.
O centro de Reno é espalhafatoso, com todos os grandes cassinos e letreiros anunciando bandas que faziam sucesso na época de Tricia. Depois que o atravessamos, começa a ficar deprimente: motéis decrépitos fazendo propaganda de caça-níqueis e cafés da manhã de 3,99 dólares com bife incluído.
Escolhemos um dos motéis de terceira categoria.
— Quanto é o quarto? — pergunta Ben.
O sujeito remelento atrás do balcão me faz pensar no Sr. Purdue.
— Sessenta dólares. Check-out às onze da manhã.
— Eu lhe dou 80 pratas por dois quartos e nós saímos às nove.
Bato com as notas de 20 sobre o balcão. O homem olha para os meus peitos. Ben fecha a cara. O homem pega as notas com suas mãos de aranha e arrasta duas chaves para nós.
Ben saca a carteira e faz menção de me dar dinheiro, mas eu o recuso com um gesto.
— É por minha conta.
Voltamos para o carro em silêncio, o motor ainda estalando por conta da longa viagem de hoje. A de amanhã será mais longa ainda. Pego a mochila e aponto para o meu quarto, que fica do lado oposto ao dele.
— Nos encontramos amanhã no carro às nove.
— Amanhã é segunda-feira. Talvez seja melhor mais cedo. Caso ele saia para trabalhar. Você não vai querer perder um dia inteiro.
Não tinha pensado nisso. Perdi a noção do tempo. Já estamos há dois dias na estrada.
— Oito? — sugiro.
— Sete. Truckee ainda fica a meia hora daqui.
— Tudo bem. Sete.
Quando chego ao quarto, cogito tomar um banho de banheira, mas então vejo quanto ela está imunda, com um anel de pele morta, e me contento com uma ducha, a água caindo em filetes fracos. Saio do chuveiro, seco-me com toalhas de papel e corro os olhos pelo quarto.
A morte é o derradeiro rito de passagem, e pode ser um ritual muito sagrado. Às vezes, para que ele se torne pessoal, é preciso torná-lo anônimo. Esse é o conselho que encontrei nos arquivos encriptados de Meg. Será que o próprio Bradford escreveu isso? Parece algo que ele diria. Torno a olhar ao redor. Meg se matou em um lugar exatamente deste tipo. Imagino todo o processo: trancar a porta, pendurar o aviso de NÃO PERTURBE, deixar o bilhete e a gorjeta para a arrumadeira. Ir ao banheiro para misturar o veneno, o ventilador ligado para outros hóspedes não serem alertados por conta do cheiro.
Me sento na cama. Visualizo Meg esperando o veneno fazer efeito. Ela se deitou imediatamente ou esperou o formigamento começar? Vomitou? Estava com medo? Aliviada? Chegou a haver um momento em que ela soube que já não tinha volta?
Me deito na colcha áspera e imagino os últimos minutos de Meg. A queimação, o formigamento, a dormência. Ouço a voz de Bradford sussurrando palavras de incentivo. Nós nascemos sozinhos e morremos sozinhos. Começo a ver manchas pretas; começo a sentir que está acontecendo. Acontecendo de verdade.
Mas eu não quero! Me sento com as costas eretas na cama e coloco a mão no peito, o coração batendo forte, como se protestasse contra os meus pensamentos. Não está acontecendo, digo a mim mesma. Você não tomou venenoVocê nunca tomaria veneno.
Com as mãos trêmulas, pego o celular. Ben atende no mesmo instante.
— Você está bem?
Assim que ele pergunta, eu fico. Se não bem, pelo menos melhor. O pânico diminui. Não sou Meg pegando o último ônibus, uma voz anônima sussurrando em meu ouvido. Estou viva.
E não estou sozinha.
— Você está bem? — repete ele.
E é uma voz de verdade. Concreta. Se eu precisasse que estivesse bem aqui do meu lado, ele estaria.
— Estou — respondo.
Ben fica calado do outro lado da linha e eu apenas continuo ali, ouvindo a presença dele, reconfortada por ela, pelo som da sua respiração. Ficamos assim por mais algum tempo, até eu estar calma o suficiente para dormir.

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