28

No dia seguinte, enquanto passo o aspirador na casa da Sra. Driggs, sinto o telefone vibrar no bolso. Reconheço o código de área 206, mas a ligação já caiu na caixa postal. Alguns segundos depois, ele apita para me avisar que recebi uma mensagem.
Olho para o telefone na palma da minha mão, o motor do aspirador de pó zumbindo. Por que ele retornou a ligação? Ele sabe que fui eu quem telefonou? Não sei nem se ele gravou meu número, e a mensagem que tenho na caixa postal agora é genérica, para o caso de All_BS ligar. Seja lá o que ele tenha a dizer — quem é? ou qualquer outra coisa —, não quero ouvir. Estou prestes a apagar o correio de voz, mas hesito. Neste exato momento, o telefone volta a tocar e sinto-me aliviada e envergonhada na mesma medida.
— Oi — digo, o coração aos pulos.
Um breve silêncio do outro lado da linha.
— Repete?
O aspirador de pó continua ligado e demoro alguns instantes para entender que não é Ben. Olho o identificador de chamadas. Desta vez não vejo o código de área 206. O número está bloqueado.
— Repete? — insiste a voz, e só então entendo que não estão me pedindo para repetir nada.
— Sim.
— Você sabe quem está falando?
— Sei.
— Que barulho é esse?
— Estou no trabalho.
Ele dá uma risadinha.
— Eu também.
A voz dele não é como eu esperava. É alegre, quase reconfortante. Como se já nos conhecêssemos.
O aspirador de pó continua a zumbir. Eu o desligo.
— Pronto. Melhor assim?
— Melhor. — Ele torna a rir. — Quem me dera fosse tão fácil desligar o barulho no meu trabalho. Mas encontrei um canto sossegado. Desculpe a demora.
Presto atenção aos sons que ouço ao fundo. Escuto um barulho clangoroso e eletrônico. Caixas registradoras?
— É preciso escolher os riscos e reduzi-los.
— Sim — respondo.
— Por falar em riscos e escolhas, você já tomou a sua?
— Já.
— É muito corajoso da sua parte.
— Estou com medo — desembucho.
A verdade sem rodeios. All_BS é quem consegue tirá-la de mim. O que não deixa de ser irônico.
— Sabe o que George Patton disse? — continua ele. — “Todos os homens inteligentes sentem medo. Quanto mais inteligentes são, mais medo sentem.” O mesmo se aplica a mulheres, diria eu.
Fico calada.
— Já se decidiu por um método?
— Já, eu vou...
— Não — ele me interrompe. — Essa é uma decisão pessoal.
— Ah. Desculpe.
Fico não apenas decepcionada, mas arrasada. O que mais quero é contar a ele.
— Está com todas as pendências em ordem?
Pendências em ordem. Essa é a expressão que um dos sites que ele me indicou usava, com todas as instruções sobre como redigir o bilhete, criar um testamento juridicamente vinculativo.
— Sim, estou — respondo, atordoada.
— Lembre-se, o oposto da bravura não é a covardia, mas o conformismo. Você está enfrentando o conformismo ao escolher o seu próprio caminho.
Meg deve ter adorado esse argumento, caso All_BS o tenha usado com ela. Tudo o que ela fazia era uma forma de enfrentar o conformismo, e levou isso às últimas consequências.
— Agora, como tudo na vida, é uma questão de levar até o fim. Encaixe a sua coragem…
— ... em seu devido lugar — termino a frase sem pensar.
Silêncio do outro lado da linha. Sinto que ele está ponderando algo. Cometi um erro.
Então, ouço uma comoção à medida que o ambiente em que ele está fica mais ruidoso. Bipes eletrônicos e moedas. É o barulho de caça-níqueis, um monte deles. Um som que reconheço dos cassinos que Tricia frequenta.
— A porta estava trancada — ouço-o falar com rispidez, a voz diferente agora.
— Desculpe, Smith. O trinco está quebrado há semanas.
Ouço o som de uma porta batendo e o barulho torna a desaparecer.
— É melhor encerrarmos esta ligação — diz ele, formal. — Desejo boa sorte para você.
— Espere.
Quero que ele me envie as coisas que encontrei no lixo do computador de Meg: os documentos encriptados, a lista de coisas a fazer, mais evidências, mais provas para enquadrá-lo.
Mas ele já desligou.

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