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O ônibus fica parado nas montanhas por causa de um pneu furado, então eu perco minha conexão em Ellensburg e só chego em casa depois da meia-noite. Durmo até as oito da manhã, vou limpar a casa dos Thomas e, à noite, levo as duas bolsas até a casa do Garcias.
Toco a campainha, algo que raramente fazia antes, e Scottie é quem atende. Quando ele abre a porta, pergunto como estão as coisas, mas não há necessidade, pois sinto o cheiro de manteiga.
— Cupcakes — diz ele.
— Que delícia! — exclamo, tentando parecer alegre.
— Nunca pensei que fosse dizer isto, mas adoraria comer brócolis agora.
Joe e Sue hesitam ao me ver, como se, em vez das roupas e livros de Meg, eu tivesse trazido ela própria. Então, eles se aproximam, me agradecem, Sue começa a chorar baixinho e isso é simplesmente demais para mim. Sei que eles me amam. Sue sempre falou que me ama como se eu fosse uma filha, mas é diferente agora que ela não tem mais uma filha de verdade.
Me viro para Scottie. Se isso é difícil para mim, é pior ainda para ele. Como se eu fosse um Papai Noel trazendo presentes, anuncio:
— Vamos ver o que temos aqui?
Mas ninguém quer ver. Pego o notebook dela, que trouxe separado na mochila. Estendo-o para Joe e Sue. Eles se entreolham, então balançam a cabeça.
— Nós conversamos, e queremos que você fique com ele — revela Joe.
— Eu? — Sei quanto este computador foi caro. — Não. Não posso aceitar.
— Por favor, é o nosso desejo — pede Sue.
— E quanto a Scottie?
— Scottie tem 10 anos — responde Joe. — Já temos um computador para nós três. Ainda falta muito tempo para ele ter o próprio notebook.
A expressão de Sue fraqueja, como se ela já não acreditasse muito nisso, mas depois se recompõe e completa:
— E você vai precisar dele quando for para a faculdade.
Concordo com a cabeça e todos fingimos que isso vai acontecer.
— É demais para mim — insisto.
— Cody, apenas aceite — diz Joe, em um tom quase ríspido.
É então que entendo que o computador não é bem um presente. Talvez o fato de eu o aceitar é que seja.

° ° °

Antes de eu ir embora, Sue me dá uma dúzia de cupcakes para eu levar. A cobertura deles é rosa e dourada, cores que contam uma história cheia de ternura e alegria. Até a comida mente.
Scottie leva Samson para passear e se junta a mim quando já estou a meio caminho de casa.
— Desculpe pelo computador, Runtmeyer.
— Tudo bem. Posso jogar DS.
— Você pode ir lá em casa e me ensinar a jogar um de seus jogos.
Ele me olha com uma expressão séria.
— Ok. Mas você não pode me deixar ganhar. Parece que as pessoas estão me deixando ganhar só porque sou o irmão da garota morta.
— E eu sou a melhor amiga da garota morta. Então estamos na mesma. O que me dá a liberdade de fazer picadinho de você.
É a primeira vez em séculos que vejo Scottie sorrir.

° ° °

Quando chego em casa, Tricia está esquentando um prato de comida congelada de micro-ondas.
— Vai querer também?
É o máximo que posso esperar do seu instinto maternal.
Sentamos juntas para comer frango xadrez e eu lhe mostro o notebook. Tricia passa a mão pelo computador, impressionada, e me pergunto se ela está ressentida porque os Garcias me deram outra coisa que ela não pode dar. Isso e todos os jantares, as viagens para acampar em família, tudo que eles me ofereceram enquanto ela estava trabalhando no bar ou saindo com um dos namorados.
— Sempre quis saber mexer em um desses negócios — diz ela.
Eu balanço a cabeça.
— Não acredito que você ainda não saiba usar um computador.
Ela dá de ombros.
— Cheguei até aqui, não cheguei? E sei mandar torpedos. Raymond me ensinou.
Não pergunto quem é Raymond. Não preciso saber quem é o rolo mais recente dela. Tricia nunca se dá o trabalho de trazê-los para casa ou de me apresentar a eles, a não ser que nos encontremos por acaso. É até melhor assim. De qualquer maneira, ela geralmente leva um pé na bunda antes que eu possa decorar os nomes.
Acabamos de comer. Tricia não quer nenhum dos cupcakes de Sue porque eles engordam, e eu tampouco, então ela vai buscar dois picolés com baixo teor de gordura no congelador.
— Que história foi aquela de gatos? — pergunta ela.
— Ahn?
— Você me perguntou se poderíamos ter gatos. Está tentando substituir Meg por um animal de estimação ou coisa parecida?
Quase engasgo com o picolé.
— Não.
Por pouco não lhe conto a história, porque quero falar com alguém sobre os gatos de Meg, sobre a vida dela por lá, da qual eu não sabia nada. Mas tenho certeza que os Garcias também não sabiam. E esta é uma cidade pequena: se eu contar a Tricia sobre os gatos, ela sem dúvida vai passar adiante a novidade, até acabar chegando aos ouvidos de Joe e Sue.
— Eram só dois gatinhos que precisavam de um lar.
Ela balança a cabeça.
— Você não pode dar um lar para toda criatura perdida que encontra por aí.
Ela diz isso como se a toda hora tivesse alguém batendo à nossa porta em busca de um lugar confortável, seco e quente para dormir, quando, na verdade, é o contrário.

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